Tribo animal ou o galo gay, as galinhas de estimação, o gato, os cães e o pavão

Paramos de conversar sobre a história da Tribo, no ano de 2004. Vou retornar, mais tarde, porque a cada dia, está ocorrendo algo.
Ontem, passei o dia agitado, na verdade, lutando contra a ideia de uma perda. Para quem não sabe, a Tribo de Estrelas tem diversas galinhas, alguns galos, três cães, uma família de pavões e agora, um gato, além de um casal simpático de perus, embora feios
Uma das histórias dos animais da Tribo mais extraordinárias ocorreu no ano passado. Uma galinha teve uma ninhada e morreu. Um galo, surpreendentemente tomou seu lugar e passou a cuidar dos pintinhos. Era comovente vê-lo agindo como mãe, exatamente no ano em que nossa proposta era que treinássemos ser mães uns dos outros, na ideia graciosa de Buda. Brincando, o chamávamos de galo gay, mas, o mais sagrado é mesmo identificá-lo como galo mãe. Até agora, embora os pintinhos já sejam frangotes, os vemos no galinheiro, juntos, vivenciando uma união espontânea e insubstituível. Acho que Malafaia, Feliciano e Bolsonaro, talvez até Ziraldo, o chamariam de galo-demônio ou o sacrificassem para deixar de ser imoral. 
O galinheiro, a que chamamos "Viveiro Kuthumi", em homenagem a São Francisco de Assis, é cheio de galinhas de estimação, algumas chamadas pelo nome e com um destino certo: jamais servirão de alimento aos humanos. Destaca-se ali, o casal de perus, Xica e Sindolfo, presentes dos amigos José Luis Perucio e Isabel Perucio.
Mas a principal atração é a família de pavões. Andavam por lá, nos pátios, ciscando, fazendo barulho e descomendo nos lugares mais impróprios e incovenientes. Dormiam nas árvores mais altas e destruíam os jardins. Todos reclamávamos e acabamos por prendê-los, por ocasião da refeitura dos canteiros.
Quando soltos, eles vivem mais e têm mais saúde e se previnem de uma das doenças mais fatais para as aves: o chamado pigarro. Bom, estavam presos há um mês e poucos dias. Juntamente com as outras aves, limparam o matagal da parte interna do galinheiro, em menos de uma semana. Dizem que, ao comerem as folhas, eles evitam o pigarro. Sem as folhas perdem a imunidade. Pois, então, ontem de manhã, Nanci, bastante emocionada, nos disse que o pavão morreu.
Primeiramente me preocupei com Nanci, que tem nos animais uma extensão sua. Depois, pensei que menos mal que os cães estão com ela, haja vista que Lula, o zelador da Tribo, está de férias. E antes de pensar na perda do pavão, pensei nos cães. Os cães do mundo estão sendo maltratados pelas pessoas, porque transferiram para eles o mesmo equívoco que cometeram com semelhantes, a respeito do amor. Praticam excessos de modismo, pelos quais, pasmem, causam mais mal aos bichos do que o abandono. 
Cães não são para serem tratados como criancinhas, com direito a carrinhos, penteados e lacinhos. Os cães gostam de ser cães e preferem mais acompanhar e serem notados a serem mimados feito um bibelô. Cães precisam de zelo, atenção e parceria afetiva e só. E se não for para trata-los, com cumplicidade amorosa e companheirismo, é melhor não tê-los. 
Os cães da Tribo merecem mais do que damos e por isso vetamos o Joca, o pretérito cão que a nossa amada Regina Drumond queria ter lá. 
Os cães da Tribo são mais selvagens, tomam poucos banhos e comem bem e só. Alguns se colocam à minha frente, quase grunhindo que são meus amigos e eu passo reto, fazendo de conta que não os vejo, mas eu os prezo e os valorizo e sinceramente não me sinto bem, em não ser mais companheiro deles, já que eles velam por mim por onde vou, como uma sombra que anda para nos proteger do sol a pino. 
Eu não amo cães. Eles me querem e eu os adoto à distância, com o cuidado de um dono que faz pouco, no dia a dia, mas é capaz de fazer tudo que precisarem. 
felizmente também, sem que quiséssemos ou fôssemos consultados, Isabel deu um gato a Nanci, que está desarrumando o quarto dela para entretê-la, neste momento de perda. Parece que também no mundo dos gatos, nada acontece por acaso.
 
Mas, a morte do pavão, somente por volta do meio dia, me desestabilizou, sem que eu pudesse contar a ninguém. Eu estava com sono, cansado e vago. Qualquer pessoa que me falasse algo, mesmo bom, eu iria responder atravessado, porque os bichos brilham num ponto de nós que sangra quando eles morrem. Imaginei o rito solitário de Nanci para enterra-lo. O que é enterrar um pavão de estimação? Talvez seja, resguardar o seu canto, nos galhos das árvores, como a gravar os sons de uma saudade que vai durar para sempre. Ou talvez seja, dobrar suas asas silenciosamente, como que preparando-as para o último voo, rumo ao rumo misteriosos de todas as aves que partem sem tempo de volta. 
E pensando nisso, chorei, somente quando pensei que enterrar um pavão é como despejar um arco-íris no coração da Terra e voltar para a rotina, com a certeza de que aquelas cores nunca mais se acenderão, senão em um ponto do Cosmo que a gente nunca contemplará. E nada mais posso dizer, a não ser pedir francas e definitivas desculpas a quem ofendi ontem, equivocadamente, por causa dessa perda!