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Meu álbum invisível de amigos indispensáveis em retratos 5x7

Vivemos um tempo em que muitos tentarão nos confundir para que não nos entendamos e para que nos dividamos, em vez de focalizarmos aquilo que realmente importa. Todos estamos sendo vítimas de agentes mesquinhos, de todas as cores ideológicas para que nossa união, amizades e relacionamento sociais não se aglutinem e para que não estejamos do mesmo lado, que é o lado do bem estar de todas as pessoas e da amorosidade entre elas.

Já somos despreparados para a fraternidade, o suficiente, ao ponto de nos desentendermos em família, no trabalho, entre amigos, durante festas, viagens e outras participações, nas quais bastaria estarmos diante uns dos outros para celebrarmos a vida. Sabemos que discutimos e discordamos muito mais facilmente do que gostaríamos. Sabemos que com facilidade nos ofendemos, rompemos e até mesmo nos afastamos de pessoas com as quais tínhamos mais motivos bons para permanecermos amigos do que maus motivos para rupturas. Entretanto, no mais das vezes, uma simples desavença atravanca dezenas de concordâncias que nos fizeram um dia nos aproximar de alguém e de termos relações de empatia.

De uns tempos para cá, a Política virou um vale tudo, nivelando-se por baixo as pendangas do futebol, sendo que as torcidas opostas, pelo menos, continuam se encontrando para jantares, almoços, churrascos e outras celebrações, nas quais, a discussão futebolística não passa de piadas leves e gozações pontuais que não afetam a essência da amizade e da boa convivência. Já a Política tem nos colocado como desafetos quase irreconciliáveis, porque não descobrimos ainda que estamos sendo manipulados por inverdades e por estímulos que em verdade não nos auxiliam na tarefa de vivermos bem, apesar dos males que a política sempre traz em seu bojo, desde a Grécia, onde a Democracia foi inventada.

Todos os governos e ideologias possuem pegadinhas que nos enrascam, em maior ou menor grau. Nenhum governo é limpo o tanto que gostaríamos e precisamos. Todos mentem e trapaceiam perante nossa boa fé, o que indica que sempre que tomamos partido favorável ou contrariamente, estamos apenas participando de um jogo, no qual existem somente perdedores e é disso que a Política e o político se alimentam: das nossas disponibilidades para nos distrairmos com seus balões de ensaio, enquanto no laboratório prático das suas práticas, eles nos surrupiam direitos, dignidade e dinheiro.

Pessoas comuns que apoiam ou se opõem, na verdade, gastam energia para um nada redundante, haja vista que o que se sabe sequer raspa a realidade dos bastidores e dos cenários de fato vivenciados pelos governos e políticos. Somos trapaceados e impelidos a discutirmos o que não é para que eles fiquem tranquilos e sossegados para vivenciarem ilicitamente o que de fato é.

Deveríamos estar sempre unidos em torno dos bens inalienáveis de todo ser humano que é o leque de direitos fundamentais, formado pela igualdade, liberdade, decência e paz. Não teríamos de discutir sobre se o governo e o político são bons ou ruins, mas se estão zelando pela essência de cada indivíduo dentro da sociedade. Se não fazemos assim, somos apenas agentes de falsas realidades nos apresentadas, por quaisquer governos e políticos.

Quando não atuamos como vigilantes dos governos e políticos, acabamos contribuindo com suas malévolas medidas. Quando nos neutralizamos fazemos exatamente o que eles querem que façamos. Os governos e os políticos contam com a nossa distração, com a nossa desunião ou com a nossa complacência.

Governos autoritários, por exemplo, costumam nos lançar uns contra os outros, começando por amigos, familiares e grupos que nos pedem para calar, mirarmos outras questões simplórias do dia a dia, amenizarmos nas críticas, dentre outros tipos de patrulhamentos sutis, disfarçados de preocupações com a nossa saúde, nossa segurança e a manutenção de nossos círculos de amizade. Tendo a achar que se nos desvencilharmos dessas armadilhas, tem como lutarmos pelo bem estar social sem precisarmos correr riscos e ou deixarmos de amar uns aos outros.

Em 30 anos de encontros espirituais, escrevi e guardo quase 2000 mensagens positivistas, otimistas, alegres, benévolas, tudo que todo mundo quer e precisa contatar para estar bem, apesar de tudo. Este é um trabalho espiritual de alta valia. Entretanto, é preciso que todos saibam que quando fazemos este tipo de comunicação, ao mesmo tempo, que prestamos um ótimo serviço à humanidade, também alongamos o mal que os governos e os políticos fazem a todos.

As mensagens positivistas e espiritualistas neutralizam a percepção dos males que os governos e os políticos estão fazendo na simultaneidade. Um indivíduo positivista e otimista, por função espiritual, que é o meu caso, que precise deixar de observar os males de governos e políticos, faz um bem relativo e deixando de se envolver com as questões macro da política, faz um mal maior. Em todos os tempos, as religiões e a espiritualidade foram usadas para amansar as ovelhas e não para fazê-las reclamarem do pasto da vez.

Quero que todos compreendam isso para entenderam porque é dificílimo falar de espiritualidade e publicar apenas mensagens positivistas o tempo todo. Muitos dizem que só reclamo, que exagero, isso e aquilo, sei que é assim mesmo que as reações funcionam, mas também sei que é porque a percepção da busca espiritual é relativamente enganosa. Um buscador espiritual tem de mirar a evolução do ser humano em todos os sentidos e isso somente é possível se abranger o papel social de cada pessoa, aliado ao papel espiritual dos indivíduos para participar de uma sociedade que se aproxime da fraternidade. Isso é impossível sem um senso crítico minimamente construtivo.

De qualquer forma, é indispensável que compreendamos que perder amigos por causa de governos e política é o que existe de mais equivocado na sociedade. Isso ocorre porque, em dado momento, tendemos a defender ou a nos opormos a governos e políticos, quando é urgente que passemos a defender somente propostas e práticas de governos e políticos que contemplem o bem estar geral da sociedade.

Quando adotamos os discursos dos governos e os políticos ou quando os refutamos, antes de tudo nós antagonizamos com outros como nós e o que realmente importa passa ao largo da nossa energia. Por mim, esclareço que estou especificamente envolvido com aspectos fraternais, pacíficos, dignificantes e respeitosos. Não estou em nenhum dos lados, porque todos os lados deixam a desejar, quando não em alguns pontos, em todos os pontos.

Todos os governos autoritários possuem esfinges que precisam ser decifradas. Brasil, ame-o ou deixe-o, era para descobríssemos que lutar pela Democracia era amar o Brasil e que, ao deixá-lo, estávamos adiando a luta. Quando os exilados voltaram e começamos a lutar, o amor pelo Brasil venceu a tirania. Agora o slogan é: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". É urgente que descubramos as mentiras do eleito e este será o grande portal da verdade que nos libertará dessa tentativa de enrigecimento das regras contra uma sociedade essencialmente libertária.

Pensemos desarmados em todos os sentidos.

 

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A hora grande - Um longo poema sobre a morte

Tudo ficará igual sem nos notar.

Tudo se moverá ao seu modo, depois de nós.

Reintegrados à imensidão impalpável de tudo

Seremos somente uma incidência arrancada deste mundo.

Iremos inteiros a um ponto em que ninguém sabe se seremos muito.

Se voltaremos, prosseguiremos ou raiaremos

No campo múltiplo dos átomos,

Mesmo o mais sábio dos seres entenderá menos dessa ausência,

Do que um besouro sem nome na escuridão intocável.

As estações conhecidas por nós se comunicam com outras,

Das quais não se desconfiam.

Somos objetos pesadamente dependurados na fortaleza de um esgarçado fio.

A teia urdida com a saliva dos deuses nos sustém sem qualquer garantia,

Porque a vulnerabilidade de cada passo é também uma dádiva.

Quando cairmos, o que nos abarcará nos deixará novamente cair,

Haja vista que cair seja a experiência de campo da força que nos impulsiona

A levantar e a descobrir finalmente o signo da resiliência existencial.

As paralelas que se encontram em cada criatura

Pontuam o infinito no corpo insondável do que não se acaba,

Naquilo que permanece, ainda que pareça inexistir.

As ruas não sentirão nossas faltas.

As pessoas passarão por onde passamos

Com o alvoroço de quem não sabe que será também

Uma coisinha de nada, no movimento ininterrupto de tudo,

Essa coisinha de nada tão valiosa que se destina a amplidão.

Tem uma esquina na qual, os vultos esbarramos,

Sonhando apagamentos imensuráveis.

Que pensar e sentir são verbos ocultos

Depois que as emoções soerguem fronteiras perante as ações.

De repente, o poder revelador (do não ser) torna-se enorme,

Enquanto todos dizem que os ausentes simplesmente dormem.

Cada um entende que vale tanto quanto uma folha no chão,

Folha que adentrará de novo a terra até a raiz da grande árvore.

Mas, o caminho que o tempo percorre, entre rugas,

É demarcado por mortes amiúde não notáveis.

Na hora grande estaremos diminuídos, um gigante flácidos,

Uma gota de um quê imperceptível, no fundo de um velho frasco,

Diga-se de rasante passagem que esse vasilhame é inquebrável.

Morrer pode ser estar onde o que sobra é inobservável.

O estado do inobservável é a maior mistério das existências.

É o mesmo que se transformar em objeto inusável,

Algo no embaixo do todo imperscrutável,

Guardado para um evento tão sublime que, por isso, é irrevelável.

Quando eu for isso assim, um adeus é menos que um lenço esfiapado,

Ao vento espraiado na vastidão do silêncio.

Os carros continuarão se movendo no asfalto

Com seus pilotos desorientados insensíveis com relação a nós,

A si e também exasperados perante todos, ainda ali.

A exasperação é o desamor travestido de razões sem nexo.

É que as dimensões nos sonham sozinhos, entre as divisas que iludem os lados,

Fazendo-nos reféns do não pertencimento.

Embora estejamos dentro de tudo, todos nos iludimos,

Com a ideia fixa de um fora que nos contenha,

Somos indubitavelmente expressões do dentro,

Vislumbrando o aspecto divinal que nos suga para a profundeza.

Erráticos e sem órbita alguma giramos,

Em torno das gentes portadoras de luz

E, por absurdo, saltamos segurados nas linhas dos reflexos,

O salto perfeito se dá quando nos esquecemos do medo

E irrompemos despencados sob o sopro de um poder invencível.

As ilusões refletem realidades não condizentes com o esplendor.

Como é complexo pertencer ao que não se mostra como é,

Mas que é incrivelmente capaz de suportar todas as perdas e quaisquer danos.

Na hora grande, o esquecimento se encorpa, como uma porta que se fecha,

Até a última fresta, devagar, para que se saiba que ali somente se entrará,

Caso a razão seja tão plena que deixado e o encontrável sejam únicos.

Morrer é voltar ao campo em que se deixou alguma vaziez

E é também deixar um campo em que se semeou sem tudo colher.

A sensação de incompletude é o outro nome da esperança

Que confirma o desejo de todas as continuidades.

Morrer é deixar a cadeira de balanço no quintal

Para as borboletas pousarem sem saber de nós.

Quem fica tem o dever de não tanger as borboletas,

Enquanto recorda do que dava sentido à cadeira, no quintal.

Gravemente bom em tudo é saber que não se sabe caminho algum,

Depois que o sol da vida se põe escanchado na ausência,

Cantando no dentro, a cantiga que tanto se quer ouvir.

Ser tudo, na inconformidade de um objeto sem uso,

É, mais ou menos, como se preencher de nadas,

Compreendendo nadas como as probabilidades de tudo.

E depois, muito depois, a sapiência que advirá nos desconhecerá,

Porque já seremos mais de tudo no todo, sem qualquer risco

De arranharmos o vaso de exuberâncias de todas as transformações.

Seremos um traço nas águas do futuro, algo tão transparente,

Que ninguém verá que estará lá, espírito não observável,

Mas quente como o coração do mais sagrado fogo.

Até quem nos amou demais será somente um traço a mais.

Somos traços de uma parábola descontínua do Cosmo? Será?

Se o somos, então, as linhas e os pontos divinos emaranham-nos,

Revolvem-nos em ondas determinantes de ininterruptas iluminuras.

Quando partirmos, o que nos fez ser - nada dirá de nós,

Mas acenderá nosso traço tortuoso à deriva da busca de dois pontos:

Um de partida e outro de permanência.

A pergunta é: para quê?

Por isso, duvido que haja memória para tantos como nós.

Dirão que tudo cabe na memória de Deus,

Mas seria certo ter certeza sobre a existência de um Deus.

Pelo menos, destes que os homens vilipendiam - com suas mentiras.

A obtusidade nos inflama e é disso que o entusiasmo se nutre.

Um traço na água é uma história inteira de ostracismo,

Mas sem este traço, do que se faria um lago, o que encheria um rio?

Desembarquemos naquele rio como uma gota de chuva,

No auge do temporal. Que gota nos representará?

Quem nos colherá nas mãos para nos sorver?

Seremos uma gota anônima em busca da pequeneza do mar.

Nominar o mar por pequeno é reconhecer outras belezas maiores

Morrer é o mesmo que encantar-se por trás de uma muralha de corais.

A profundeza é a razão de um dia todos romperem a muralha.

São de corais, os céus sobre os quais as religiões não mentiram ainda.

O Riachão que nos atravessa a infância nos impõe o desejo

De ir, o mais longe que possa para desaguar.

Somos uma gota intermitente do seu leito, um tipo que não evapora,

Sob qualquer verão ou temporada tórrida de estios.

Levaremos para outras funduras, os fundamentos desfeitos,

As cacimbas da água salobra que socorreu tanta sede.

Adjetivos são adjacentes que duram um pouco até que os corais nos cubram.

Depois daquela hora, tudo será tão amplo que caberemos em toda parte.

Essa modalidade de pertencimento é intransferível e terrivelmente irrevogável.

Entendamos por terrível, a ingerência sobre o que nos espera no sempre.

Atravessar a barreira de corais é encontrar o orifício

Por onde as gotas de água saem do planeta e escorrem,

Por ondas que as moléculas alteiam sem fazer força.

Entre as ondas, os passos dos deuses zunem dizeres inaudíveis.

Não há palavras que alcancem corações divinos.

Quanto às orações, indaguemos os motivos dignos dos emitentes.

No geral, na oração esplende alguma egoística ação.

Deuses são sensíveis apenas aos pertencimentos não escriturados.

Os poetas, algumas vezes, os alcançam, mas os poetas

São íntimos demais dos corações mais altos.

Pessoa, por exemplo, é uma das pessoas que foi além de todos os corais.

Não precisa crer nisso, basta ter alma grande ou ser inteiro.

O mais sensato é imaginar que a Natureza nos decompõe para nos compor

No que se impressa dentro e fora

Do que supera as ideias vagas de tempo e de espaço,

Essa dupla ilusão que se realiza quando não observável.

Por isso, a Natureza nos abarca,

Seja por sermos parte de um tipo de chuva cósmica,

Seja por estarmos no trajeto dos ventos solares,

Seja porque nossos antigos ossos constituam objetos úteis

Apenas para o que acrescenta vida a vida,

A vida que permeia a misteriosa carne fluida da mãe de tudo.

Talvez morramos para lembrarmos que somos filhos.

Na hora grande: que venham a nós, as estrelas ascendentes,

Aquelas que principiam e sustêm os lumes dos seres frágeis.

Que a nossa fragilidade desperte fulgores no que nos imensa.

Dentro da hora grande existe apenas o meio do dia.

Não recordamos das manhãs em que as estrelas trisavós nasceram

E imprevisíveis são as cópulas que gestarão os filhos caçulas da luz.

É que as auroras da morte domesticam as noites e tudo é solar

Com jeito de três da tarde, na estação única de um verão infindo.

Para ali, no lugar da luz nascente, é que estamos indo.

Ali, as comidas mais saborosas se perderão dos sentidos,

Portanto, também os sofrimentos são nulos, negando expiações.

Religiões não entendem nada de divindades. Entendem de mundo,

De impertinências divinas, de fraudes como céus e infernos.

Soubessem de perenidades, os templos seriam monumentos aos silêncios.

A vida tem a ousadia de se imiscuir tanto na morte

Que não surpreende que haja vida depois de toda morte.

Afinal, ninguém nos quer saber vivos, depois de mortos,

E há até quem se importe pouco ou nada com o que vivemos.

Somos para muitos, gotas evaporadas pela insignificância.

Faz sentido que a vida não tenha qualquer sentido,

A não ser aquele que seja terminantemente sentido.

Na hora grande, as lágrimas são relativas, porque dessa água não beberemos.

O luto nunca é líquido, ela é uma aquarela renovável na memória.

Sorriam, porque essa é uma razão bela que dignifica adeuses.

E o corpo, o que vem a ser, depois de inerte,

Com sua nudez estática debaixo de mortalha e flores?

Por que a estética inerte comprime o senso de beleza?

Que morramos robustos como uma grande árvore que cai

Por ser demasiadamente forte, exageradamente frondosa.

Uma árvore assim nunca cai despercebida

E todos se admirarão do fim daquela vida.

Que na hora grande, as deusas, por exemplo, estão dormindo,

Emendando os cachos dos cabelos dos séculos.

Quando alguém morre, os outros mortos não se comovem,

Porque todos compreendem a grandeza de se sentir sozinho,

À procura de um caminho, entre a infinidade de caminhos.

Por isso, as deusas dormem sobre sua maternidade,

Porque os filhos não são seus filhos, mas feituras para a eternidade.

Morrer é se tornar um cântaro vago,

No qual, todos os mistérios sejam despejados.

Morrer é derramar-se por despenhadeiros indomáveis.

E se houver um mundo de espíritos, que sejam desumanizados

Preferencialmente alados, pois deve ser sublime imitar anjos.

Que não haja tédio sob as asas, que vigore o amém desacentuado.

As coisas, os animais estimados mais do que humanos,

Os humanos que se apegam aos bichinhos

Como que transferindo para eles, suas vaguezas,

Despontam diante de nós como figuras de outros planetas.

Pensemos que o amor se desperdiça com o nome de apego

E que o apego faz que as pessoas se esqueçam de amar.

O fanatismo e o excesso de apego são a negação eloquente do amor.

Isso deve nos assustar como se fôssemos cães crivados por trovões

Ou por fogos que prolongam alegrias artificiais.

Sim, porque um gol jamais definirá a vitória de uma alegria geral,

Haja vista que a outra parte da torcida nunca é contemplada.

Andamos entre todos com a sensação de não pertencermos aos cenários,

Sentindo que não há vida nas horas pequenas que se emendam.

As horas pequenas das rotinas quebram as ampulhetas mais resistentes.

É que a ilusão tem músculos que comprimem

A espontânea inocência de cada instante.

Sejamos simples feito um lírio que perfuma a aridez mais agreste.

Gente que não se entrega vibra mornamente,

Como se não fossem labaredas de vida.

Vejamos um passarinho no chão sem nos esquecermos

De que, por determinação simples, as serpentes não voam.

Essa inversão grita nos humanos que nós contatamos, raras exceções,

Mas essa é uma margem bastante singular.

Andemos entre todos, nos perfazendo de inutilidades,

Mas afirmando em nós isso passa, enquanto passamos.

Para que tanto alvoroço, oh, deuses, se o que se vive é raso?

Vivemos de través, imitando calangos tomando sol, no meio do dia.

Contudo, todas as nossas máscaras devem ser destruídas pela pele real.

Soframos na pele, as queimaduras de todos os graus,

Nas chamas das convivências, mas ainda assim,

Nossos rostos são únicos, apesar dos vincos e dos vínculos.

Somos anciões na somatória premente das nossas jovialidades.

Nunca nos esqueçamos de que não há velhice nas coisas nobres.

Portanto, tudo depende da autoapreciação que fizermos do que somos.   

Antes da hora grande visitemos amigos, rente às montanhas,

Vamos a eles à beira mar e encontremos outros na floresta,

E juntos finjamos que consertamos o relógio e ajustamos os ponteiros

Para a hora grande não chegar. Mas, perguntemos, e se chegar?

Que estejamos com o gosto do vinho na garganta

E com as ouças repletas daquelas canções que poucos cantam.

Queiramos partir com a imagem dos amigos dançando diante de nós,

Que de repente estejamos ali, inertes, mas com o melhor em volta de nós.

Que sejam assim, “vizinhos forever” da aparente ausência.

Esse tipo de ausência pressupõe a revalorização da inesgotável presença.

Tudo que foi dito até agora não é mais do que uma incisão, no daqui a pouco,

Para dizer que morrer tem de ser para todos como deitar e dormir.

Temos pouco para deixar no mundo e menos ainda para levar.

Sejamos somente dignos passageiros, estrangeiros naturalizados cósmicos.

Andemos recordados de que estamos passando

E que nada ou ninguém pode nos estagnar.

Por isso, caímos tanto e ainda estamos a caminho do que ainda não somos.

Entre nossas vidas, a morte nos une como crias siamesas do desconhecido.

Temos essa certeza e por ela somos cumplices. Bastaria isso para nos amarmos.

Temos em comum, as paralelas que vão se cruzar,

Quando não houver espaço para se medir e tempo para se contar.

Seremos tão ausentes, como uma gota d’água que jamais pingou.

Contudo, a água estará ali, a serviço incansável da vida.

A Terra nos ocultará daqueles que virão, mas o universo,

O universo nos reconhecerá, no depois das forças que nos ocultarão.

Na hora grande, sempre caberá a minha e a tua incidência,

Assim como a incidência de tudo que há e ainda haverá.

Depois de cada barreira de corais, o mar continua.

Depois de cada mar, a água continua.

Depois de cada água, haverá uma gota distinta,

Que se unirá a outra gota distinta.

Talvez todos nós ocupemos o mesmo cântaro divino,

Aquele que está sempre vago para receber estados diversos de incidências.

Morrer é confirmar a realidade de que iremos sempre incidir,

Como um sonho repetido dentro dos intervalos de dormir e dormir.

Há dias que sentimos muito sono. É quando nos fadigamos de estarmos aqui.

Noutros dias queremos muitos sonhos. É quando almejamos incidir,

Porque não é preciso morrer para fazer o melhor durante o sempre.

Quando a hora grande chegar:

Que a porta esteja aberta e que ninguém esteja alerta.

Nada mais digno do que morrer, no abrir e fechar de um relâmpago.

Esperemos que leiam este poema quando estivermos ali, de prontidão,

De olhos fechados para não os vermos tristes.

Deixem-nos as mãos soltas, livres para tocar o que encontrar.

Vistam-nos uma roupa simples que é como sempre deveríamos nos vestir.

Lembremo-nos dos pés muito antes do primeiro e do último sapato.

Demonstremos um riso fácil, mesmo descalço.

Portanto, cantem, em torno dos corpos inanimados.

Não os floreiem nem digam que seus habitantes foram bons.

Não tendo o que dizer:

Considerem o silêncio como lugar ideal

Para distenderem adeuses e estenderem seus permanentes lenços.

Leiam algum poema, caso faltem acenos.

 

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