Sobre Espiritualidade, maiorias e exclusões

Que já não espero nada das maiorias, eu que sempre estive entre os oprimidos, que em todos estes anos não tive regalias, que integro as fileiras dos anônimos excluídos.

Ainda deveria lutar, mas de novo estou do lado dos mais fracos, sou aquele menino nu que não tem escola, sou aquela mulher enferma que não tem saúde, sou aquele ancião curvado que não tem garantias dignas, sou aquele injustiçado que não tem instâncias e recursos, sou um cidadão cheio de deveres e com parcos direitos destroçados, desconsiderados, desrespeitados.

Que já não suporto a gama de conhecimentos nulos, de opiniões grotescas, de pensamentos toscos, de respostas falhas, de preferências absurdas, de ideias temerárias e também já não posso, até porque não mais possuo tempo e disponibilidade para defesas ou investidas ermas, como estas a que assisto por aqui.

Que eu sei que bastaria que nos importássemos com o que fizesse bem a todos, do jeito que cada um se manifestasse, desde que não prejudicasse os demais. 

Mas, de novo as opiniões, os pontos de vista, as tendências não inclusivas formam a maioria e de novo a maioria esmaga as minorias. 

Que eu sei que bastaria um basta nas mentiras, na desonestidade, no cinismo, na falta de ética existencial e tudo se resolveria. 

Que já não espero nada de muita gente, exatamente da maioria, porque a maioria sempre erra, haja vista que os exemplos surgem no meio das minorias. 

Que já não espero grandeza nas multidões e justezas nos aglomerados que lutam por alguma causa.

A maioria inadmite justiça social.

A maioria se recusa a incluir socialmente os homossexuais, os diferentes, as pessoas do leque da diversidade sexual.

A maioria se recusa a exigir um sistema carcerário que recupere os prisioneiros, ao mesmo tempo que paguem pelos seus crimes.

A maioria olha de viés para os pobres, negros e pessoas com necessidades especiais.

A maioria detesta prostitutas.

A maioria quer apenas baixar a idade penal para ver o menor infrator punido, ainda que saiba estar formando bandidos mais periculosos. 

Essa maioria não luta para mudar a lei, colocando os pontos nos "ii", considerando os direitos dos menores não infratores e mudando a regra para aqueles que cometerem crimes graves.

A maioria não percebe que é a mesma coisa, quanto ao foro privilegiado e a imunidade parlamentar. 

No caso de delitos comuns, não políticos, bastaria fazer a lei não valer. na verdade, a maioria nem sabe porque existem foro privilegiado e imunidade parlamentar.

A maioria luta contra pessoas e partidos e não luta por transformações reais nos sistemas funcionais estabelecidos. A maioria quando quer não muda de opinião e ao não mudar de opinião, não muda nada para melhor.

A maioria não consegue discernir entre uma mídia corresponsável social e politicamente de uma mídia partidarista. A maioria é analfabeta funcional e é por isso que sua visão é perigosamente deturpada.

A maioria não enxerga quando grupos mais fortes se movem para esmagar grupos mais fracos, via leis, religiões e ideologias. A maioria geralmente escolhe o lado que momentaneamente está mais forte. A maioria é covarde.

A maioria desrespeita pelo menos alguns aspectos de outras pessoas, de outro sexo, de outras raças, de outras nações, de outro time, de outro partido, creio até que desrespeite gente obesa, gente magra, gente mal vestida, gente triste, gente solitária.

A maioria não consegue ser feliz sequer com quem está mais perto.

A maioria forma o grupo mais assustador da sociedade, porque não se enxerga como portador de grandes malfeitos perante a coletividade.

A maioria não suporta a felicidade alheia.

A maioria é tendenciosa e deformada quanto aos princípios espirituosos da convivência pacífica e amorosa. A maioria tem ojeriza ao que é novo.

A maioria é um perigo.

Por isso, sendo eu uma pessoa de estatura mediana, acima do peso, barrigudo, que já passou dos sessenta, nordestino, gay, feliz com o companheiro e que luta para ter os direitos básicos que a sociedade lhe deve, que já grisalhei a cabeça, que me aposentei regularmente, que me formei, que sei onde estão as ventas e que não sou religioso, não sou ateu, mas creio no Espiritualismo Consciente e que participo de um grupo minoritário que pensa em mudar o mundo para melhor, tenho todos os motivos para temer a maioria

Daí que analiso a Democracia como uma velha senhora desdentada, que tem seu lado esquerdo paralisado por um AVC - Aversão Violenta Compartilhada e seu lado Direito defeituoso, por um tique nervoso que lhe faz mover-se e estrebuchar atrapalhando o bem estar do restante do corpo. 

A Democracia, esta senhora enferma, precisa tomar sol, beber novas cores, tomar drágeas constantes de igualdade e justiça, mas a maioria que diz prezá-la geralmente a esquece e de costas se debate sem receio algum de machucá-la ainda mais.

A maioria padece de uma anomalia crônica, chamada indiferença que somente a espiritualidade poderá lhe curar, mas este é um trabalho para minorias e como sabem, as minorias efetivamente não têm vez.

Sobretudo, por ser uma pessoa com esperanças futuras de longo prazo, temo que a maioria me desanime muito e por isso, às vezes, o silêncio tenta, mas não me detém.

Este texto vai especialmente para os meus amigos de Direita para dizer que temo pelos sorrisos e pela paz que eles poderão tirar de mim e tudo sem mesmo perceber.