Quem disso cuida disso usa

"Quem disso cuida disso usa" dizia o avô semianalfabeto, às margens das grutas do agreste da Paraíba. Ontem eu falei dela, daquela mulher de quase setenta, que está adoecendo a olho nu e que nem a maquiagem disfarça mais o desgaste. 
Eu me pergunto sempre porque a humanidade se embate pelo que não importa e pelo que não é essencial. Todos sabem que pela Política não se acha saída honrosa. Têm-se 10 mil anos de História e nunca mudou o desfecho, embora os contextos pareçam mudar. Nada muda. Será sempre o poder pelo poder, o poder pelo dinheiro, o dinheiro pelo o que der e vier. 
Ilusionismo ou má fé é o que coloca os partidários num ou noutros flancos. O casamento da Política com o dinheiro sempre fará nascer, crescer e perdurar a senhora de todos os malfeitos, a corrupção. Portanto, a perseguição ou o ódio, direcionado a uma pessoa ou a um grupo, sempre será uma violência, algo tão vil e tão criminoso, quanto aquilo que se quer combater. 
Mas eu estava falando dela.  Ela não desceu a rampa, porque quer esperar a última batalha, mesmo sabendo que será derrotada. Há uma tentativa de mostrar que isso é brio para expor os algozes às suas mais baixas investidas. O público não está nem aí, quer vê-la cambaleada na arena, sem aquela envergadura, mesmo aparente, do começo. 
Ela está praticamente só, no vazio gabinete de onde despacha suas tristezas, decepções e fraquezas, de si para si, na solidão que emana do poder. Ela sabe do enredo e não conta, ela quer ser forte contra a onda, mesmo sabendo que não é uma rocha de corais vermelhos. Não, ela nunca foi protegida por essa cor. Os vermelhos desiludiram não somente a ela, mas a muita gente. 
Vai ser difícil compreender a História quando a página está manchada pelos garranchos de agentes estúpidos e quando o ódio inconsequente antepara a visão já míope de um povo que não se identifica seus reais valores. Ela está só e é isso que ninguém enxerga e só é que sete em cada dez pessoas a querem ver. Há os que a querem morta ou sob os escombros do lixo da História. É uma gente má, de coração impuro, de ego espúrio e de visão estreita. 
Ela não é o que dizem dela, desde que a onda no estádio do Maracanã iniciou um coro a mandá-la fazer algo que não se diz jamais para nenhuma mulher, mesmo as mais vulgares. 
Ela não vai contar que em 2006, o plano que acabará no domingo começou, quando fizeram um corte no mensalão tucano para impor aos petistas o castigo de tudo pelo que nunca ninguém, de partido algum, experimentara. Ela não vai dizer que ali, já a justiça barbosiana e o principal adversário dos vermelhos se juntavam à mídia carnavalesca, futebolística, panfletária, vendida para golpear sobremaneira a estrela que já se ofuscava por suas próprias manchas do poder, no poder. 
Ela não vai dizer que, embora a Esquerda agora a defenda contra o golpe, em verdade, seu partido nunca foi de Esquerda, a não ser no discurso e que, ao se alinhar ao PMDB, sabia que estava tratando com marginais de laia inclassificável. 
Ela está só e não vai dizer que os chamados "coxinhas" que a combatem, a odeiam e a querem: morta ou achada maltrapilha no monturo dos subúrbios - não sabem por que sentem isso ou se sabem, não sabem que os motivos são banais e equivocados. Ela não vai dizer que acabará no domingo o golpe que era oculto, nas eleições de 2010 e de 2014, quando as urnas disseram não às investidas do Petrolão seletivo, das especulações nas bolsas, inclusive contra as ações da Petrobras. 
Ela não vai dizer que a Petrobras foi usada pelos agentes do golpe, porque, também beneficiários, eles sabiam que era o ponto fraco do seu partido e que, por conseguinte, a fresta por onde poderiam atingi-la. Nada disso ela vai dizer, porque ela está só e porque sua voz já está rouca e suas barricadas são de vento e logo a rajada de votos molhados de vômito lhe atingirão, trazendo o odor terrível das vísceras mais claMOROsas do poder. 
Ela não vai dizer, porque ninguém vai ouvi-la e quase ninguém vai querer sequer imaginar na possibilidade de tudo não passar mesmo de mera perseguição e de um linchamento sem precedentes. 
Ela não vai dizer que o candidato derrotado em 2014 e seu partido, não tendo se elegido, estiveram e continuam como eixo malévolo que se abateu no país. 
A economia está mal no mundo todo e fosse quem fosse o presidente, pouco ou nada seria diferente, mas aqui piorou, porque eles, os tucanos, os mais ricos e depois, os fora da lei da quadrilha de Cunha e Temer trabalharam meticulosamente para que o pior prevalecesse. 
Ela não vai dizer, porque não quererão acreditar nela, que a combinação desses fatores, mais uma justiça parcial e seletiva, mais uma mídia bem orquestrada é que deram as razões aparentes para a população deixar de apoiar seu governo, porque sem a população, o golpe não ocorreria. Ela não vai dizer para não parecer mero desabafo que o ódio foi construído e que ela não deu os motivos. Os motivos formam uma combinação de fatores: a roubalheira do seu próprio partido, mais as artimanhas dos golpistas. Ela não vai dizer, porque não é do seu feitio delatar, trair ou fugir da batalha. 
Ela vai cair sob um furacão de estrume, lançado por homens de merda e por uma sociedade cega, quando bastaria apenas um sopro para que ela caísse envergonhada, caso não fosse quem é, muito mais homem, na acepção da palavra, do que os projetos malfeitos de homens que a julgam e que a xingam nos estádios e que batem panelas nas sacadas. 
Ela não vai dizer nada, absolutamente nada quando descer a rampa, a não ser dizer que foi vítima de um golpe, mas este golpe é tão baixo e tão cruel para a democracia, que tudo que ela disser não conseguirá resumir o mal uso que se faz das forças do povo que alimentam a podridão do poder. 
Ela está só e descerá a rampa só, tangida por sentimentos mesquinhos de um Aécio covarde, de um Temer nojoso, de um Cunha canalha, de um Serra oportunista e de outros atores inclassificáveis, porque figurantes de uma quadrilha chamada jogo politiqueiro e de uma maioria de pessoas comuns que aprendeu a odiá-la por estímulos equivocados. 
Ela sabe que agora é tarde e que nada, absolutamente nada vai mudar o que está em curso. Ela talvez, no último momento, sinta que este país é um lugar perigoso, porque visivelmente permite, com apoio maciço, que os bandidos escolham a quem vão destruir e possam colocar quem quer que queiram na categoria de banidos. Ela talvez nem chore, mas eu, eu não sou tão forte, quando o prejuízo é irreparável, não para pessoas, mas para os valores conquistados com tanta luta..