Quando a amizade adoece

Não há imagem ideal para ilustrar um texto sobre o fim de uma amizade. Talvez, porque fim de amizade inexista, se considerarmos o ambiente em que as amizades se firmam. Fim de amizade é um dos mais emblemáticos símbolos do equívoco humano sobre o amor. Sim, porque amar é verbo permanente. Se não permanece é porque não é amor e sim aquilo a que se chama de amor, mas que é outra coisa, um misto de sensações emotivas menores e intensas que se emendam para falsificar o amor.

A amizade interrompida dilata a incapacidade humana de amar incondicionalmente e por não amar assim é que os desencontros e os desentendimentos acontecem. Li recentemente que os amigos devem saber a hora certa de se afastar e o colunista até dá dicas de como fazê-lo para que o outro não se sinta, digamos assim, preterido. Não se pode afastar alguém que já conhece seus sentimentos, sua intimidade, sua alegria entremeada por outros ritmos que incluem até angústias e tristezas. Se há o afastamento é porque tudo foi falseado e se foi falseado não se pode chamar de amizade, muito menos de amor.

O amor é um sistema de elos que conduz a amizade a um ponto do qual não se retorna. O retorno do que é a amizade será sempre uma viagem para o centro do ego, este lugar que a geografia amorosa desconhece, a não ser como um ponto fora da sua abrangência positiva. Amigos não são como esposos e esposas, a menos que estes se tornem amigos, porque amigos constroem uma categoria muito mais elevada do amor, o amor que interessa porque mantém os nichos de liberdade descontaminados, limpos e arejados, ao tempo que abre campos para semeaduras conjuntas com colheitas múltiplas e compartilhadas.

Se os amigos se estranham é porque há interesses não amorosos e isso já indica que não são amigos. Amigos conversam, dialogam, confidenciam, compreendem, lacram o assunto e continuam. Não amigos discutem, brigam e se afastam ou se carrancam, separando-se soltando chispas maledicentes aos quatro cantos. O amor que unifica pessoas, na convergente força da amizade, resiste ao tempo e prolonga clareiras de entendimento no percurso e não se engasta no tempo. Ao acontrário, tem nas horas que passam um tipo de corda em que se embalança divertida e confortavelmente para imprimir nas partes, a ideia de uma convivência coincidente com o que há de lúdico em toda brincadeira. Ter amigos e ser amigo é adquirir a capacidade de brincar cuidando de coisas sérias.

Sobretudo, a amizade é uma oportunidade de termos as pessoas sem poder comprá-las, vendê-las, trocá-las ou mudá-las de lugar. Elas podem ir aonde forem, pelo labiritno do mundo e da vida, talvez até da morte, mas o fio de Ariadne dos seus destinos está preso de leve no portal maior das interrioridades, porque é por dentro do que há demais simbólico e real que os amigos se acham para nunca mais se desencontrar. Perder um amigo é algo impossível, pois apenas se perde quem esteve conosco fugazmente, com interesses inoportunos. Se há afastamentos é porque, pelo menos, uma das partes se equivocou quanto o amor e a amizade.

Amigos importam tudo. Colegas transportamn alguns sentidos e signos. Conhecidos comportam tudo para serem colegas ou amigos. Estranhos deslocam suas presenças podendo ou não nos encontrar e se nos encontram, se nos conhecem podem se tornar conhecidos, colegas e, por conseguinte, amigos. Na categoria de amigos, o estranho se dilui, o conhecido se desvenda, o colega se inclui e o amigo se imiscui no que o amor permite e o amor permite tudo, porque o amor não limita. Se há limites é porque não é amor, pois que no amor cabe o respeito, a reciprocidade e o zelo. Se há zelo é amor, mas se há zelo específico entre as partes é porque é amizade. Amizade é um zelo que tende ao infinito e zelo não é algo do qual se possa se afastar simplesmente.

Entenda por afastar-se cortar o fio de Ariadne do portal interno, porque estar longe e passar muito tempo sem ver não é afastar-se, não é sequer ausentar-se. Amigos se encontram dentro e não no que a geografia física separa. Não amigos muito presentes podem parecer amigos e nos adoecer, enquanto amigos, mesmo longe, podem nos curar somente por estarem em algum lugar e sabermos que estão lá. Por essa razão temos de ter muita clareza sobre o que seja amor, sobre o que significa amizade e o melhor modo é submetermos as presenças ao senso da permanência agradável e saudável e expor cada pessoa ao filtro da lealdade, do respeito e do zelo. Geralmente quem zela por nós está sempre de prontidão - feito anjos.

Tenha muito cuidado com o ego e a personalidade, porque podem confundir os critérios entre pessoas próximas que fazem e dizem o que você espera e amigos que fazem e dizem o que você precisa.