O inferno do velho Buk na carne e na honra de Diogo Cintra

No último dia 7 de novembro fui ver a peça "O inferno do velho Buk" encenada no Bar Karaokê Augusta, sempre às terças feiras, às 21 horas. O espetáculo estará em cartaz até 12/12 e além de gostar dos poemas e das histórias curtas e reais de Charles Bukowiski; outro motivo é que Pérsio Plensack, amigo de longa data está no papel principal, encarnado o autor de forma bastante intensa. Claro que a peça é uma pequena mostra da obra bukowisquiana e de longe mostra o estilo irônico, sarcástico e amargurado daquele que se autointitulou "velho safado". A peça é digna de ser vista também pela maneira despojada com que os demais atores tomam os textos e os revelam ao pequeno público de, no máximo, 30 pessoas, que lota o pequeno espaço do bar.

O que eu não sabia é que uma semana depois, aquele ator negro de pernas longas e corpo esbelto, de olhos graúdos e cabelos vastos, em trunfa emaranhada, marcantes e de voz forte vieveria algo como o inferno de Buk, em vivo e em cores doentias, dessa sociedade que piora direitistamente, a cada dia. Falo de uma notícia veiculada no UOL, via Blog do Arcanjo, de onde recolhi as fotos que ilustram este texto, que gostaria imensamente de escrever apenas para elogiar a peça.

Na mesma semana, em que um jornalista famoso foi pego em flagrante delito de racismo, Diogo Cintra serviu, da forma mais terrível, como exemplo vergonhoso de que o Brasil é de fato, um país que adoeceu e precisa se restabelecer urgentemente.

Não é somente a negritude, a vítima contumaz, mas todo um pensamento imediatista e enfermo sobre a aparência e a condição involuntária de sermos diferentes. Digo sermos porque sou gay, nordestino, baixinho e gordinho, além de pobre, pardo na pele e negro no sangue.

O pensamento enfermo de muitos põe nódoa no olhar e deteriora qualquer sentimento igualitário nos corações. Muitos nos olham de viés e com um procedimento violento no gatilho para nos admoestar e nos violentar, simplesmente por sermos como somos e estarmos tentando ir e vir, conforme merecemos, isso, assim, simplesmente porque merecemos.

Diogo aparece com os lábios inchados, com o corpo machucado, depois de ter sido vilipendiado na moral por agentes de segurança que preferiram julgar por sua aparência a acreditarem que estavam diante de um homem digno e limpo que tem na arte o seu ofício de sobreviver honradamente.

Estamos todos machucados e doridos no mesmo ponto em que Diogo sente a ferida maior, no direito inalienável de ser quem é e como é sem precisar se justificar ou ser perseguido ou morto por isso. Então, os ladrões, de aparência diferente, puxando os seus cães, foram advertidos sobre a misericórdia, por uma das bandidas, esta, aquela que nos lembrou de que há mais humanidade em alguns bandidos do que em alguns seres que se dizem do bem e que ocupam postos para nos defender ou nos servir.

Não sei o que dizer a Diogo Cintra. Peço desculpas por pertencer a uma espécie que não tem critério algum para agir claramente em favor do bem e da justeza entre os diferentes exemplares existenciais. 

Assim, espero somente que Diogo supere e esbanje sua negritude e seu talento, em muitos palcos, sobretudo, no palco da vida, ao qual foi chamado para expressar o negro que é a pigmentação divina entre todas as raças. Neste momento sou Diogo Cintra e mais um na lista dos que vivem, em algum grau, o inferno do Velho Buk.