Ninguém falou, mas é preciso

A Operação Lava Jato é um extenso processo investigativo sobre corrupção sistêmica no país. Sua força maior vem das delações premiadas. 

Delações são informações de agentes envolvidos na peça investigada, que requerem investigações complementares que comprovem a veracidade do que foi dito pelo delator.

 A priori, as delações deveriam ser extremamente sigilosas, até que as provas sejam colhidas com mais exatidão. Neste sentido, o trabalho da PF e de Moro não apresenta a competência requerida por uma operação com essa dimensão.

O que tem atrapalhado é a emotividade da PF e a vaidade do meritíssimo. Muitas delações tiveram pedaços importantes prejudicados, porque os vazamentos espetaculosos podem ter propiciado fuga de algumas provas. 

Suspeita-se que ninguém vazaria delações gratuitamente, somente por emotividade e vaidade. Crendo na honestidade da PF e de Moro, os vazamentos se deram sem contrapartida em dinheiro, o que conglomerados da mídia agradecem o presente.

O problema é que informação é produto valioso financeiramente falando. Furo de reportagem é um produto mais valioso ainda. Dar em primeira mão uma notícia bombástica, ainda mais se atinge figura ou grupo importante não tem preço. 

Estima-se como não calculável algo que pode pagar mais do que um triplex e um sítio em alguns lugares nobres do mundo. Jamais se provará nada sobre isso e jamais se deve passar de suposição no que aqui se está conjecturando. 

Veja leitor, parto do princípio que os agentes que souberam de algo, em primeira mão, sejam PF e Moro, por idôneos, e é bom que se creia nessa dupla necessária idoneidade, jamais fariam dessa informação um produto comercial. 

Alguns vazamentos, porém, causam dúvidas, sobretudo, porque apenas um núcleo investigado tem sido atingido mais frequentemente. 

No caso do grampo, que ainda sucinta muitas dúvidas, foi o próprio juiz que permitiu a divulgação, em condições jurídicas ainda a serem desdobradas, quanto à legalidade. A tese de interesse público é absolutamente insustentável e temerária, principalmente por causa da ebulição nas ruas. 

O juiz poderia ter coletado as informações e as guardado para uso cabal durante o processo que tramita ainda em forma de investigação. Não o fez e há quem pergunte, se uma informação desta tem algum valor comercial. 

Creio que não, porque senão seria o fim das esperanças na isenção, na imparcialidade e no senso de discrição que todo magistrado deve ter. Portanto, ter divulgado o teor do grampo, em decisão repentina, põe em xeque, o limite e o delimite da decisão de um juiz de instância inferior ao Supremo.

De qualquer forma, ainda existem alguns problemas pouco falados. 

Por que as delações sobre outros suspeitos não são imediatamente investigadas? 

Por que ainda não se abriu processo semelhante ao da Petrobras, sobre a Eletrobras e Furnas? 

Por que os manifestantes estão enfurecidos apenas com Dilma, Lula e PT? 

Por que a Lava Jato não avança para outros beneficiários do esquema com a mesma gana com que o fazem com os agentes petistas? 

Por que é tão urgente o impeachment, quando não se chegou ainda ao fim das investigações? 

Por que outras denúncias relevantes noutros governos estaduais não são peças investigadas com critérios semelhantes? 

Se Lula é mesmo culpado, por que Moro não o prendeu ainda, quando pode, antes de ser nomeado ministro e agora que a nomeação está suspensa? 

Seria falta de provas ou isso significa que, de fato, está-se agindo de maneira espetaculosa?

São muitas dúvidas. Há no ar um cheiro desagradável vindo do judiciário, nas questões das liminares para impedir a posse de Lula, com gravidade máxima na decisão de Gilmar Mendes, velho adversário petista e simpatizante dos tucanos. 

Há uma incongruência notória, que conta com a omissão de todos, que é o fato de Cunha adiar, ao máximo sua própria cassação e apressar ao máximo o impeachment de Dilma. 

A sociedade e as instituições agem como uma multidão irada que quer porque quer linchar um suposto bandido, sem sequer saber se o crime foi cometido apenas por ele.

Sabe-se que novas delações e novos desdobramentos vão desautorizar moralmente alguns parlamentares a votar o impeachment, pelos motivos apresentados pela oposição. 

A Justiça, mais notadamente o STF teria de impedir que o trâmite fosse conduzido por um réu, até que a Câmara apresentasse outro líder sem qualquer suspeita sobre si. 

Parece que estamos diante de um dos maiores absurdos históricos da República, independente da senhora Dilma, mais tarde, vir a ser culpada de algo mais do que incompetência, ingerência e antipatia generalizada junto à parte majoritária do público.

Por fim, aos manifestantes, cabe a maior injustiça, pois o levante das ruas não abarca os corruptos, mas apenas aqueles que são odiados com mais ênfase. 

Está também em questão o foro privilegiado e a imunidade parlamentar. Estes mecanismos são para proteger parlamentares, quanto a sua liberdade para expressar posições, sem serem julgados sumariamente ,em caso de turbulências políticas, ante a sanha de adversários insensatos e irresponsáveis e desleais, como ocorreu na Ditadura. 

Talvez caiba uma mudança constitucional, em que, no caso de crimes comuns ou crimes de corrupção comprovados, nos autos do processo, imediatamente ambas as proteções caiam.

Fora disso, a Democracia é que corre o risco de ver o conceito de liberdade atingido pelo criminoso culpado protegido e o suspeito ainda investigado desprotegido, e até sendo julgado por quem já esteja mais adiantado nas suas culpas impunes.

Por isso, os aproveitadores ganham força, os direitos conquistados por minorias são ameaçados e a opinião pública se movimenta pelo pêndulo inescrupuloso de uma mídia que provoca os agentes a lhes entregar (de presente) desdobramentos de peças ainda não completas, mas que interessam para suas audiências, mesmo pondo em risco os poderes constituídos, inclusive, aqueles que, em última instância, existem para salvaguardar a todos das visões parciais convenientes a diferentes grupos, por diferentes e nem sempre honestos interesses.