Lições de duas fichas médicas
Lições de duas fichas médicas:
Assistente: ponha o queixo aqui no suporte da máquina
Ela: quieta
Assistente: (olhando para mim) – o senhor está com ela?
Eu ia responder, mas ela disse para a assistente: Oxente, ele tá mais eu senão eu não tava aqui e se ele não puder ficar eu saio correndo.
Assistente: segure a cabeça dela para a máquina proceder a leitura.
Ela: de olhos arregalados para a máquina.
Assistente: a máquina não está conseguindo ler.
Ela: ôxe, mas meu olho é que tem que ler e não a máquina lê meus olho.
Assistente (rindo) – o caso dela não é para óculos, é mais grave.
Ela: eu num disse que num sou cega, mas o povo lá de casa me aperreia dizendo que tô cegando.
Médico: Como é seu nome?
Ela: Ritinha
Médico Nome completo dona Ritinha?
Ela: Ritinha de Sindolfo
Eu: Rita Nunes Ferreira
Médico: Idade?
Ela: 75 anos.
Médico: Quando foi seu último exame de vista?
Ela: Nunca
Médico: é o seu primeiro exame de vista?
Ela: é e agradeça a esse anjo que me trouxe aqui, senão o senhor num ia me ver.
Médico: sente aqui dona Rita?
Ela: não quero sentar não, num tô cansada.
Médico: mas é para examinar seus olhos.
Ela: Carlinho, eu sento?
Eu: venha tia, eu lhe ajudo (fiquei segurando o queixo dela e encostando a testa no suporte da máquina)
Ela: ôxe, que luz mais grossa.
Médico: (para mim) – o caso dela é grave. Tem de fazer transplante de córnea. Mas ela tem também catarata e não adianta fazer a cirurgia de catarata sem o transplante senão ela cega.
Eu: Qual o procedimento, doutor?
Médico: precisa pegar uma guia no SUS e trazer na FACISA e entrar na fila de transplante de córneas.
Ela: (interrompendo) – eu quero saber se não vou ficar cega.
Médico: Vamos fazer o teste. Distanciou-se 3 metros e com o dedo indicador em riste, perguntou: quantos dedos tem aqui?
Ela: 05
Médico: dois metros de distância: quantos dedos tem aqui?
Ela: três
Médico: a um metro de distância: e agora?
Ela: um
Eu: algum óculos?
Médico: não adianta.
Ela: vou ficar cega?
Eu e o médico: NÂO!
Ela: (fora do consultório) Diabo de tanta pergunta, fica a duas légueas de longe da gente e quer que a gente enxergue, pra depois não passar óculos, dizer que tenho que ficar em fila pra receber resto de defunto.
Eu: não é resto não tia.
Ela: mas Carlinho eu ouvi dizer que eles tira a bola dos olho da gente e coloca as bola dos olho do defunto.
Eu: não é não tia, é uma operação simples com anestesia local e depois a senhora volta a enxergar como há uns dez anos.
Ela: tu garante isso.
Eu: garanto.
Ela: então eu faço.
(vai entrar na fila de transplante e teatralizou para todos, contando com detalhes ricos e engraçados sua primeira consulta oftalmológica)
Segunda ficha – Otorrino
Otorrino: O que é que há Dona Rita?
Ela: calada
Otorrino: Dona Rita?
Ela: calada
Otorrino (alteando a voz) – Dona Rita?
Ela: inhô
Otorrino: (mais alto ainda) – Desde quando a senhora está escutando mal?
Ela: eu escuto bem, o que incomoda é zuada parecida com uma chuva fininha que num para.
Otorrino: quando começou essa zuada?
Ela: há uns dois anos, desde que deixei de escutar os sagui de manhã quando eles vem pedir comida.
Otorrino (depois de examiná-la) – o problema dela é cerume demasiado nos ouvidos, demais é por causa da idade. Temos de fazer uma lavagem.
Ela: calada e com os olhos de espanto, enquanto o otorrino procedeu a lavagem e me mostrou a botica cheia de uns tuchos escuros.
Otorrino: (bem baixinho) – Dona Rita?
Ela: inhô.
Eu e o otorrino: escutou!!!
Ela (no carro) – hein, hein, tô inté escutando os carro passando que eu nem ouvia.
(um dia depois acordou-se cedo, com a algazarra dos saguis e com os latidos do cachorro da vizinha. O genro dela disse que agora ela está escutando missa em Roma).
Ela (para agradecer) – pois Carlinho eu nunca pensei em sair daqui pra nada, mas se tu quiser eu vou passar uns dias com tu.
Eu e Ricco - marejos.