Dilma, vai tomar no...

O Brasil estava dividido já na abertura da Copa do Mundo. Dilma foi desrespeitada diante do mundo, quando representava o país. No Mineirão, durante o jogo Colômbia e Grécia, de novo, no reduto aecista, ela de novo foi destratada, maltratada, desrespeitada e humilhada. Ainda viriam as eleições, mas o público que a odiava e que a desconsiderava já estava nítido e não era o mesmo público que estivera nas ruas em junho de 2013. Era claramente o público tucano ou visceralmente contrário ao PT. Todos têm o direito de se manifestar, a dúvida é se têm o direito de desrespeitar publicamente aqueles que representam legitimamente outras pessoas.
A Rede Globo e outras emissoras não se deram à gentileza de, ao menos, se solidarizar com a presidente. Daquele momento em diante, a onda odienta e odiosa apenas cresceu. É claro que o PT e seus agentes deram e davam motivos, mas uma coisa é o que acontece emblematicamente e muito outra é o que acontece institucionalmente.
Vieram as eleições e o Vale Tudo abriu as vísceras de um corpo político apodrecido. A campanha foi suja, desabonadora de todos os lados principais da disputa. A Operação lava jato jorrava na imprensa diariamente os poderes petistas e de aliados, guardando para depois, muito depois, as mazelas dos adversários. Era um jogo, no qual a sujidade era mais terrível do que aquele coro dos insensatos gritando: Dilma! vai tomar no...
Mesmo com as especulações na Bolsa, sobretudo com as ações da Petrobras, com o mercado apontando claramente de que lado estava, com a mídia parcial lançando factoides sobre Dilma e PT, a mulher ganhou as eleições e não houve roubo nas urnas, como alguns querem. O PSDB pediu recontagem, que ocorreu e não identificou problemas. Dilma ganhou limpamente. Se a campanha foi uma farsa, se ela mentiu - se houve dinheiro sujo, se ocorreu abuso de poder, interessa e muito, mas para sua atual destituição, estes fatos não constam na peça que modelou seu afastamento.
O que aconteceu foi uma disputa extra urnas, orquestrada por Aécio, que engrossou o coro dos insensatos e mal educados dos estádios, mais tarde misturando-se aos manifestantes que, no começo, tinham outros motivos para estar nas ruas. Eles queriam combater a corrupção e viam nela a figura de Lula e de outros petistas. Mas veja: ali os petistas já estavam sendo investigados, pegos, trancafiados, retirados do cenário do poder.
Foi quando a orquestração tucana foi chamando para dançar as forças políticas da Câmara e do Senado e por lá havia gente de qualidade e escrúpulos duvidosos, suficiente para ensejar, fomentar e levar a cabo um governo legitimado nas urnas, mas prejudicado pelos fatos que vinham a tona, trazidos por um judiciário propenso a jogar o jogo sujo, lançando elementos reais e concretos, na mídia, e esta, prontificada a repercutir os estímulos esperados pelos torcedores, agora, dispostos a gritar, não nos estádios apenas, mas também nas ruas.
Era do que a onda precisava: impulsos. O ódio ao PT aumentou. O desejo de enquadrar Lula elevou-se e retirar Dilma passou a ser um objeto de desejo quase insano, sobretudo, porque ela, desde o primeiro dia do mandato esteve acanhada, intimidada e impedida até de respirar, do ponto de vista governamental. O quadro estava propício para a execução do plano de Aécio que era exatamente não admitir a derrota e não deixar que o governo governasse.
Faltavam auxiliares que arbitrassem o jogo sujo. Cunha e Temer viram que podiam tomar o poder, enquanto os tucanos viram que podiam chegar ao sucesso do plano sem se expor. Daí em diante, todos sabem o restante da história. Para continuar batendo no PT, Dilma e Lula, não requeria qualquer esforço. Surgiu gente de todos os matizes políticos e sociais. O petismo virou o elemento de catarse de uma corrupção incurável, mas que pareceu e ainda parece aos incautos, que bastava e basta retirar o PT do poder que tudo ficará limpo no país.
Dilma foi levada de roldão, porque veio a peça do impeachment, mal ajambrada por Janaína, Bicudo e Reale Jr. Com motivos de crime de responsabilidade que não condizem com os prováveis crimes cometidos por Dilma, em campanha. Dar um lustre de legalidade aos motivos ilegais era um trabalho para gente ruim, maldosa e desclassificada. Isso não faltou. No meio das saraivadas, Dilma, atônita, cometeu diversos deslizes políticos, mas nenhum que significasse real razão para sua destituição do cargo.
Entretanto, os manifestantes, a opinião pública e os golpistas já estavam com suas faturas liquidadas e reagir era impossível. Alguns atores midiáticos de expressão burlesca passaram a dizer o que o público queria ouvir e passaram a ser ouvidos como verdadeiros cavalheiros patrióticos. Tudo ficou difícil de reverter. O que faltou de verdade para a saída de Dilma ser legitimada? O crime. Pode até ser que exista mais de um, mas até ontem, quando da votação no senado, não estava provado ou identificado na peça julgada. A democracia sai ferida exatamente neste tópico e o público brasileiro não tem direito de estar alegre, como não tinha o direito de insulta-la na abertura da Copa do Mundo.
Fizeram e entenderam tudo errado. Vibram com um resultado, talvez merecido, mas injusto e indigno. Não se pode fazer nada por quem esteja contente hoje por motivos não valiosos. Não chega a ser triste ou incompreensível. Apenas algo impotente. Mas, se o porta voz da Casa Branca e o Papa confiam na funcionalidade das instituições brasileiras, o que fazer diante desse quadro ilusório que se apresenta como ideal?
Eu só vejo trabalho pela frente, inclusive para repor a ordem das coisas, separando-as bem nitidamente. Para começar temos de separar PT, Lula e Dilma, mortadelas e coxinhas da questão.
Se o debate continuar do jeito que está, daqui a pouco teremos Danilo Gentilli como o filósofo da Nova fase política do Brasil - com suas baboseiras que destacam as meias verdades que todos querem ouvir e Sabatella como a voz das lutas sociais, repercutindo o que as viúvas do PT querem perpetuar.
Os discursos são deploráveis e as motivações nojosas. Está tudo contaminado e temos de promover critérios que nos aproximem de um debate político social digno e dignificante. Chega de combater o que lhe desagrada com opiniões degradantes.
Não há razões decentes
para estar contente
a não ser que haja razão 
em rir
do que degrada a gente