Desandamentos

Pensei em escrever sobre o mundo, o Brasil, minha cidade, minha rua, minha casa, mas estou inquieto em mim e resolvi escrever sobre os desandamentos que me alarmam, enquanto os rumos ainda estão se desenhando.

Desandamentos

O que estrutura a vida não desfigura os passos. Soube quando pressenti que a espiral dos pensamentos não se verga. Tudo é mais que osso na mente e tem umas fraturas não expostas que doem para dentro, causando os desandamentos de todo o resto.

Acertar tudo no caminho requer mais do que preparo e talvez o aprender com os erros seja mais interessante e raro. Acertar jamais abrange mesmo, o extremamente necessário. Figuro no chão, a errância de quem mapeia o não encontrável. Achar-me assim é o que me agulha no infinito palheiro. Não saber de alguns detalhes me tornavam mais inteiro. Agora que sei um pouco mais sinto o quanto estou menos.

Meus compêndios nunca escritos que, em tese, resolveriam dilemas gerais, definitivos, são inconclusos sempre e de alcance interno nulo ou reestrito. Há mais sapiência no vento que urra e bate as portas sem pedir licença, sem sequer considerar a dança dos cataventos. Ventar por ventar, é o que faz, como a dizer que cada qual seja e faça como der e vier - que ninguém há de se salvar de nada, mesmo se quiser e puder.

Imensurável, o espaço preenchido por um sentido amargo ampara minhas rotas e deteriora minhas chegadas. Que destino que nada, algo é esplendido e importante, independentemente do caminho, mas a desimportância - também imedível - está em toda a parte, ampliada pelo desconhecimento das dádivas do estar que dilacera as potencialidades do existir.

Quanto mais caminho para dentro mais me horizonto imenso, como que meus nadas em crescendo me apontassem m tudo se fazendo. Contudo, essa sensação de vaziez me ampulheta - não em grãos de areia - mas em descidas incontáveis ao rés de mim, no tempo. E o que é o tempo, senão o desandamento do que não para de ir sem saber onde parar?

Não saber e ainda assim querer ir ao depois do último mistério: Eis o que a ciência ensina sem cartilha e que o indivíduo atônito necessita. Que no detrás dos fundamentos invisíveis, a natureza estima fazimentos que as divindades expelem pela urina como prova que até os excrementos revelam máximas providências e relevantes esvaziamentos.

De tanto ter com gente viva (mortes súbitas de sonhos valiosos) passei a valorizar a flor do trigo - que futura o pão. Dessa forma ergo o meu passar mais simples, enquanto sem saber me espigo. Quase sempre me sinto tão útil e necessário, feito um diminuto ente, talvez menos que um mosquito.

Sinto-me também significante, diante do silêncio daquilo que me soltou aqui (neste presente signo). Há quem não se empenhe em ver-se
refém agraciado do lastro imponderável. Eu me. E isso me expõe por mais prestável, ainda que menos do que um pendão delgado que. em si, já guarda a ingrediência dos bolos e de outras massas.

O silêncio de tudo que se apronta ocultamente me rediz que existe muita feitura se exprimindo pela interna graça do que quieto espera
a maturação. Um dia me sentirei tão pleno que terei a sutileza útil de um pendão. Ali, serei um coração com polpa e sumo, algo que não precisa bater para viver, mas e tão semente se abrir para alimentar.

Guardo, nos modos, a elegância do que se molda e se desmancha sem esperar alguém fotografar. Tendo a me entender mais com o rumo em ramo, que se distende para não saídas, do que com a asa que uso. Voar é importante, mas chegar é mais e nada releva mais o viver do que o percurso. Na verdade, migro por entre os corações para acalentar e acalentar-me (que é algo tão sublime quanto cantar ao encantar-me).

Sei tanto dos pássaros que - por eles - me ajardino para desenhar-me a eles, um mínimo destino. Destino, o que é, senão uma tentativa de acerto que não se completa e se arvora nos diversos erros, nas idas e voltas do seu próprio eixo tortuoso?

Divindades me soletram, mas, como são monossilábicas dizem sobre mim apenas: Oh! Isso quando subtraio dos sentidos, a leveza de inteirar-me com o que me predica a elevação. Somente eu sei que os seres invisíveis me provam incendiando os assuntos que prezo, o que ilusoriamente finco no agora feito eterno prego.

Todos os meus temores se alargam com a miúda presença de uma cobra. No caminho há diversos tipo de ameaças corporificada imparmente pelas cobras. Como que uma criatura que se arrasta pode alcançar em mim o que me paralisa, pode fisgar em mim o que nem mesmo eu sei apontar? Como que o meu asco se arma imitando um dragão de papel inflando-se ao vento das manhãs chinesas?

Da mais insondável origem chega pela sutileza repentina das serpentes, o poder inestimável das feituras. Sempre imagino o feitor de certos objetos ser um anônimo que espreita minha vulnerabilidade. Vulnero-me à velocidade dos relâmpagos. Pressinto que me sabe o que não sei de mim na amplidão.

Quem saberia dizer, há algum tempo, que o trigo revelaria o pão? Os nômades famintos passaram pelos trigais sem sequer suspeitar que ali estava a solução para o destino de todos os humanos. E quem pode explicar por que o pão chega, em bastante para alguns, enquanto a outros é um injusto não?

Às vezes me dedico a conjurar contra aquele que pensa e assegura modelos que jamais compensam. Com tanto a explorar ainda, é assustador que haja suicidas. Imagine quanto de beleza alguém teria se, em vez de matar-se, resolvesse ler dos poetas não somente a poesia
Mas o exercício de ocupar os dias. Imagino quanto de vida alguém teria se, em vez de matar-se, resolvesse ler os poetas - não somente a poesia - Mas o jeito dolorido e até triste de ajeitar para melhor os dons e os tons dos dias. Entretanto, desandamento é o que uma pessoa pratica com a certeza aparente do que não se sustenta sequer como conjectura.

A poemagem corporifica a vida com ossos moldáveis, como se as dobradiças do Cosmo obedecessem ao transvoo das palavras. Sempre digo que poeta é um pássaro que subverte asas, porque voar para ele é exercício que põe o chão nas copas das árvores, enquanto ele se aprofunda no que alimenta as raízes.

Os suicidas mais absurdos são aqueles que não vivem bem por não quererem o bem de ninguém. Eles morrem em cada cena, sufocados nas suas falas e nas suas expressões obtusas. São suicidas que, em perfeita saúde, matam a alegria alheia na origem. São suicidas lentos que envelhecem se matando tão devagar que eles mesmos esquecem de quando morreram e foram prolongando a morte no leito da vida.

Torço para que uma flor de trigo indique a fartura futura a quem - como inimigo - interpõe-se ao que sinto pela vida, enquanto me expando e me espigo. Assim é que quero estar contigo, até que o pão da vida justifique a intenção dos átomos, tão funcional e genial no trigo.

Na dúvida, seja como o pão, um presente saudável e repartido. Na certeza, não se suicide, dê vida à vida como revide.