Declaração de voto para decidir as eleições

Voto numa cidadezinha do interior do mundo, desconhecida de muita gente, chamada Valorosa. Tem poucos habitantes, porque ninguém nasce em Valorosa. As pessoas passam a vida toda para encontra-la e quem a encontra vai ficando, mas somente os persistentes fincam suas raízes e promovem um novo nascimento para serem finalmente denominados valorosos, como os demais moradores, os que compreenderam o que significa morar, viver, coparticipar da vida neste quadrante tão diferente que parece até cenário de sonho.

Valorosa possui fauna e flora incomparáveis, tombadas na interioridade da sua gente. Cachoeiras, rios, riachos, cacimbas, córregos, picos, vales e outras obras naturais não são intocáveis. Ao contrario, são tocáveis, porque todos tem algum tipo de beleza a acrescentar. A Unesco ou outros órgãos internacionais, preservadores apenas no papel, das coisas fundamentais do planeta, não sabem ainda como preservar as pessoas de Valorosa, porque elas são exemplares raros.

O rio que corta Valorosa é intermitente e, em vez de jogarem lixo no vale do Riachão, as pessoas consideram que aquela enorme gruta arenosa é a veia que une os dois lados do lugar. Então, os habitantes se uniram à prefeitura e plantaram árvores nas margens e, nas épocas de seca, são feitos caminhos na areia, por onde as pessoas passeiam. Um dos projetos do prefeito Gentil da Luz, foi iluminar as margens do rio, de forma que quando o rio está cheio, as águas iluminadas passam, não sem alguma força, às vezes, furiosa, e quando vem o estio, o jardim volta a ser cuidado por todos. Em vez do riacho seco, ser como uma ferida aberta no meio de Valorosa, antes é um lugar do qual os habitantes se orgulham e fazem uso poético dos seus espaços.

Nas cercanias de Valorosa, as matas são fechadas, as cachoeiras são tidas como relíquias, as estradas são cuidadas sem uso político do dever, os eventos são planejados e o calendário turístico é seguido com tanto carinho, que os habitantes comentam no evento atual, a realização do seguinte. Não, lá não fazem eventos de fachada, e as verbas para as celebrações é invariavelmente usada para celebrar mesmo. Os comerciantes se preparam para servir de maneira amável e competente, os produtos de Valorosa são cultuados com zelo e cada lugar de frequência pública é revestido de atenções e competências singulares. Restaurantes, bares, pousadas não competem entre si, sustentam-se pelas qualidades que dedicam aos turistas. Nas reuniões do Conselho dos Valorosos, todos vão trocar ideiais para melhorara ainda mais o lugar. Não vão lá para saber se poderão levar alguma vantangem pessoal.

Os habitantes de Valorosa amam o turismo, sentem grande alegria em receber pessoas, o fazem como se os recebessem em suas próprias casas. Certa vez, uma raposa política que mal cuidara da cidade, eleito depois de enganar os valorosos, candidatou-se de novo e recebeu um não nas urnas, mas a única crítica recebida foi: o senhor não gosta de turismo ou de turistas e nós amamos os dois, exatamente porque as belezas de Valorosa são compartilháveis e quem chega aqui aumenta os valores que cultuamos. O homem perdeu, não mudou de lugar, mas compreendeu que preparar uma cidade para receber pessoas é também um modo de amar as pessoas que ali virão.

Mas, Valorosa não é perfeita, porque onde existem pessoas, a perfeição é sempre relativa e por isso antes de declarar meu voto entrevistei um dos candidatos a prefeito, aquele a quem este oráculo declara voto e lhe fiz algumas perguntas básicas. Leia:

Oráculo: Fale-me primeiro dos seus adversários

Candidato: são todos bons e vale á pena antes de declarar voto ao meu projeto conhecer o que eles estão querendo fazer pela cidade.

Oráculo: Como assim, todos têm planos de governo críveis?

Candidato:   Sim, contrariando as leis eleitorais do Brasil e fugindo da parcialidade irresponsável de Gilmar Mendes, atual presidente do TSE, em Valorosa, só se candidatam aqueles que assumem compromisso com um plano de governo e o Conselho dos Valorosos, formado pelos cidadãos recebe e protocola cópias e se o Plano não é executado, os vereadores acatam a orientação do Conselho e ou corrigem a rota da execução do plano ou cassa o prefeito e convoca novas eleições.

Oráculo: mas, os vereadores não são cúmplices do prefeito, como ocorre em todos os lugares, mais notadamente no Brasil?

Candidato: não, os vereadores aqui são voluntários. Eles se candidatam com o compromisso de zelarem exatamente pelo Plano de Governo, porque a sociedade Valorosense sabe o que quer para a cidade. Os vereadores não são eleitos para mudarem nomes de rua, usarem o cargo para barganhar, dar as pessoas como favor, o que elas já têm por direito ou de olho nos salários como noutros lugares para eles se reunirem quatro vezes por mês, a fim de aprovar as falcatruas do prefeito. Aqui, os vereadores denunciam ao Conselho dos Valorosos quaisquer deslizes do executivo e seus eleitores, um dia após a eleição, são todos os cidadãos de Valorosa e não apenas aqueles que o elegeram.

Oráculo: Quer dizer que os vereadores são pessoas de bem, não são apenas aventureiros e oportunistas que querem apenas participar de perto da divisão do bolo dos investimentos desviados da cidade?

Candidato: Observe uma coisa, meu caro Oráculo. Os valorosos somos pessoas essencialmente do bem. O dinheiro da cidade não é objeto de negociata. O prefeito executa os projetos e a cada etapa presta contas. Diariamente, os administradores da cidade expõem planilhas do que foi gasto, como foi gasto, a quem foi pago e o que sobrou em caixa ou se houve algum déficit. Aliás, nos nossos planos de governo, além de apontarmos o que vamos fazer, dizemos de onde vem o dinheiro, qual o trâmite que o dinheiro vai percorrer e como o aplicaremos. Não queremos ser prefeitos somente por vaidade ou porque temos muitos votos entre os religiosos ou porque grande parte da população se ilude com nossas promessas. Não, queremos ser prefeito, porque queremos de verdade executar nosso plano para a cidade e vota em nós quem livremente acreditar no projeto.

Oráculo: Então, o eleito não vai depender de barganhas com candidatos a deputados e a governadores para liberarem as verbas? O senhor está dizendo que as religiões não se imiscuem na Política?

Candidato: Aqui em Valorosa, nós fazemos política. Política não pode ser a ciência da desumanidade. Tem de ser instrumento de cidadania. Então, os deputados se elegem para cuidar do Estado. Quem quiser votos para deputados, governadores, senadores e até presidentes, precisa vir aqui e dizer o que pensa para o Estado ou para o país e não apenas para Valorosa. Em Valorosa, o trabalho dos vereadores e do prefeito é administrar a cidade com os recursos lhes enviados dentro da lei, sem barganhas e promessas.

Quanto às religiões, todos os crentes daqui sabem que a melhor forma de agradar a Deus é fazer o melhor - uns  aos outros.

Oráculo: mas isso é completamente diferente do que acontece noutras partes do mundo e no Brasil?  O senhor não está dizendo isso apenas para se eleger?

Candidato: Não, tanto que estou lhe pedindo para conversar com os outros candidatos e estou lhe dizendo que são todos bons. Caberá ao senhor escolher um de nós, caso se identifique mais com este ou aquele plano de governo.

Oráculo: E depois das eleições? Como são as relações entre vencedores e perdedores?

Candidato: Aqui em Valorosa, não somos adversários, somos zeladores da cidade. Quando acabam as eleições, todos se reúnem e os derrotados aclamam o vencedor e o vencedor oferece funções voluntárias aos perdedores. O resultado é extraordinário e as experiências somadas geralmente melhoram por demais o plano de governo vencedor.

Oráculo: Não há traições?

Candidato: A traição é gerada pela corrupção. Em Valorosa, a corrupção é evitada, porque a inteligência vence sempre. Pessoas inteligentes sabem que os corruptos são pessoas infelizes, nojosas e fracas. Geralmente são abjetas diante de si mesmas. Em Valorosa, a gente sabe que fazer o melhor com e para todos é que é a verdadeira ascensão, seja individual, grupal ou humana.

Oráculo: Qual a área que requer mais cuidado na sua futura administração?

Candidato: O meu lado de dentro. Preciso sempre estar atento às minhas convicções internas como pessoa. Sou alguém do bem, agente da paz, honesto e ético. Não posso perder isso de vista. Sendo íntegro tocarei a integridade do povo valoroso. Esquecendo-me disso, posso até ser poderoso, mas não estarei à altura de um povo valoroso.

Oráculo: Qual o seu número, porque não o vejo fazendo campanha?

Candidato: Aqui em Valorosa existe uma semana de campanha pelo rádio e pela Tevê. As pessoas são convocadas a assistirem aos programas dos candidatos, nos quais os planos de governo são expostos e eles têm apenas estas referências. As únicas vantagens que os partidos políticos têm se referem ao tempo de rádio e tevê para exporem suas ideias. Os programas são gravados e depositados em juízo. Caso os eleitos não cumpram o prometido, são punidos e nunca mais se candidatam.

Oráculo: Mas e as pessoas que não têm rádio e tevê?

Candidato: É uma minoria. Em Valorosa, não chegam a dez por cento dos eleitores e essa dificuldade de alcance é igual para todos. Como o cargo não é um negócio, caso se perca uma eleição por causa dessa desinformação, o prejuízo é menor do que o gasto que se teria com campanhas mais virulentas, barulhentas, diria, imorais.

Oráculo: Ninguém mente nas campanhas de Valorosa?

Candidato: Para que mentir, se a Política entre nós é um ambiente de trabalho humanitário, pois trabalhar pela cidade é o que nos move? Não, amigo, diante de uma tarefa que se tem de fazer, a mentira significa enorme perda de tempo. Depois, mentir é para os fracos. Digo e repito, quando a Política é feita com corrupção e mentira não pode ser chamada de Política, mas sim de alguma modalidade crime.

Oráculo: O senhor está chamando os políticos de outros lugares, inclusive, do Brasil, de criminosos ou entendi mal?

Candidato: Não, estou afirmando que quem faz política mentindo, desclassificando adversários, falsificando dados, levando dinheiro de empresas, setores da sociedade, com finalidades escusas, antes de tudo é bandido e jamais poderá ser considerado político, na acepção cientifica da palavra. Estou dizendo que quem entra na Política com vistas às negociatas ou apenas com o dinheiro fácil que as barganhas possam trazer, não pode ser considerado sequer um cidadão, mas sim, um canalha, alguém de menos valor que um assaltante, porque este, ao menos, arrisca a vida para roubar e o ladrão, via cargos eletivos, é covarde, porque arrisca apenas sua cara de pau, sua safadeza, sua má índole e sua desumanidade.

Oráculo: Todos os candidatos a vereador de Valorosa são voluntários ou oportunistas?

Candidato: São pessoas preparadas para atuar nos planos de governo apresentados. Eles não chegam a ser voluntários. Antes são pessoas que querem se engajar no suprimento que resolve as necessidades da cidade. Oportunistas são pessoas que não têm vez em Valorosa, porque os cidadãos valorosos veem nos oportunistas pessoas defeituosas internamente, são pessoas de duas caras, de segundas intenções. Sinto muito, se fora de valorosa os candidatos são assim. Aqui, não. Quem quer ser vereador, antes de tudo, se torna uma pessoa exemplar. No Brasil é assim?

O oráculo baixou a cabeça, avermelhou, pensou na sua cidade raiz, Riachão do Bacamarte, pensou na cidade em que mora, Tapiraí, e quis se levantar, mas o candidato de Valorosa interrompeu-o para finalizar:

Candidato: Domingo, meu amigo, a maioria das pessoas do Brasil vai às urnas, muitas pensando que estão exercendo um dever patriótico, democrático e imprescindível, mas ninguém fará mais do que apertar um botão e avalizar os malfeitos de candidatos e de eleitos que não têm boas intenções. A Política está doente, a sociedade está doente, as instituições estão viciadas, a humanidade está se esquecendo dos seus mais sagrados valores. Por isso, essa entrevista é um parâmetro retirado de um sonho. Eu apareci no seu sonho, caro oráculo para lhe mostrar que a Política é um instrumento real e capaz de transformar vidas para melhor. O problema é que no Brasil não se faz Política. Na verdade, disputa-se nas urnas, qual das quadrilhas terá as chaves dos cofres, para criminosa e covardemente retirar do restante das pessoas, os direitos básicos para viverem bem. É isso.

O oráculo desligou a câmara e termina de transcrever a entrevista com um estranho sentimento que margeia a angústia. 

Por isso, aos candidatos de Tapiraí, senhores Cesar, Alvino e Todesco, peço: se eleito, tente colocar seu nomes no lugar onde grafei candidato e passe a responder da mesma forma. 

Já aos candidatos Gordo e Ari, de Riachão, meu pedido, além de ser idêntico recebe um acréscimo: por favor, respeitem o dinheiro que entrar em Riachão. Invistam tudo na melhoria da cidade e da vida das pessoas. Prestem contas dignas e dignificantes desse dinheiro, porque somente assim voltarei a ter esperança na Política. 

Seria um grande orgulho para mim, dizer que Riachão e Tapiraí funcionam como a cidade de Valorosa, este lugar fictício que quero que seja onde nasci e onde hoje moro.