Crônica de um domingo ensolarado, porque o Brasil precisa da limpidez da luz.

Bom dia!

Sempre sou perguntado sobre o impeachment da presidente Dilma e a derrocada do PT. Eu silencio ou dou respostas evasivas, porque há no Brasil um paradoxo jamais visto.

A Era PT, ora esgotada, aparelhou o Estado com os meios institucionais para investigar o próprio governo. Somente por isso, o PT já ficará na História como um marco. O partido, ao mesmo tempo, que repetiu os erros moralmente hediondos, do ponto de vista de corrupção, dos seus antecessores, criou condições para que as práticas criminosas viessem à tona.

Talvez isso explique porque tantos criminosos oposicionistas jamais tenham sido sequer investigados e já exista um número caudaloso de petistas e aliados presos. A opinião pública está sendo levada a visualizar apenas que o PT é corrupto e que precisa sair do poder, mas ninguém destaca que o PT no poder significa a oportunidade jamais tida pelo país de enxergar o que acontece de podre na estrutura do poder. Essa contribuição histórica vale muito mais do que retirar a Dona Dilma do poder.

Ao se confirmarem as suspeitas do Juiz Moro sobre Lula, será a primeira vez que um governo ainda governando não impede que sua estrela maior saia ileso de alguma denúncia.

Mas o que me impede de ser favorável ao impeachment segue uma linha lógica que me acompanha desde que a Ditadura caiu:

01) O MDB, depois PMDB e sua fração geradora do PSDB já foram nossas esperanças e nós os colocamos no poder. O que houve, no período de todos causou decepções e nunca nenhum deles pagou por nenhum dos seus erros, semelhantes aos cometidos pelo PT.

02) O PT, Lula e Dilma receberam a migração dos votos dos partidos citados acima, se elegeram e deixaram um rastro paradoxal: a repetição do poder corrupto dos governos anteriores e as condições para que se investigue e se prenda todo e qualquer indivíduo que se meta a roubar. A prova disso é o próprio Lula sendo alvo público e notório de uma operação que deseja esclarecer crimes e encontrar culpados. Aliás, algo que já encarcerou figurões, em todos os níveis da sociedade.

03) A impressão que dá é que a população está sendo levada a ver somente os males petistas, porque para a mídia e alguns grupos, retirando Dilma e o PT do cenário, o Brasil será um país melhor. Não será, não será e não será. Estamos sendo vítimas de manipulações explícitas. Quem quer a saída de Dilma, a desmoralização de Lula e o esfacelamento do PT é, sobretudo, o PSDB, o DEM, a turma do Caiado e do Cunha e Paulinho da Força. Mas essa gente possui DNA contaminado. A menos que você ache sinceramente que eles são limpos e capazes de arrumar dignamente o Brasil, se deixando enxergar por dentro, com todas as suas incongruências morais e fragilidades de caráter é que se justifica sua adesão ao impeachment. Caso contrário, você é somente um papagaio de pirata que está repetindo o discurso de um jornalismo tendencioso.

04) A outra frente contrária a Dilma, Lula e PT é formada por meninões e meninonas, que ouviram o galo cantar e não sabem aonde e encabeçam panelaços e passeatas, mas é gente que realmente não sabe o que fazer quando a cadeira de Dilma esvaziar. Óbvio que os tucanos estão por trás de muitas manifestações, porque, no meio da semana, em dias úteis, se tem gente para enfrentar os sindicalistas, nas ruas, é porque, no mínimo, se trata de militantes. Os sindicalistas, a gente sabe porque conseguem estar nas ruas em dias úteis. Trabalhador mesmo, não consegue ir na sexta feira quebrar o pau com sindicalistas. Então você tem um quadro de lutas não políticas, mas causas rasteiras de disputa de poder, manobradas por dois partidos que se acostumaram a nos enganar. De um lado. o PT que tem a vantagem de não impedir que seus podres sejam visualizados. Do outro, um grupo de pessoas que sabem muito bem como passar ao largo das punições. Por isso, é que não sou favorável ao impeachment.

05) Mas o motivo maior e mais lógico se escancara na conduta dos oposicionistas. Vamos derrubar Dilma, desmoralizar Lula e extinguir o PT. É uma faxina. Sim, não deixa de ser e talvez benéfica para o país. Vamos colocar, por exemplo, Aécio, Serra, Alckmin ou Marina, talvez Bolsonaro, no lugar. Diga-me francamente, o que vai mudar? Então, não teríamos de estar nas ruas pedindo o impeachment, mas sim pedindo rigor nas investigações de um juiz que se revela, cada vez mais tendencioso, e pedindo da oposição um programa de governo claro, pelo qual a gente entendesse a razão do impeachment. Vamos tirar Dilma, porque no seu lugar virá Aécio com o programa tal, Serra com as propostas tais, Alckmin, com o modelo de governar já testado em São Paulo, Marina, que é uma novidade e que já resolveu como vai ser sua plataforma inovadora de governo ou Bolsonaro, como representante dos coturnos. Mas não, não se perguntam. Querem somente retirar o que está aí. Chega a ser ingênuo, uma birra, briguinha de colegas, no pátio da escola.

É preciso ir ás ruas para construir um país melhor, para aprimorar a democracia, para viabilizar a clareza no funcionamento dos governos do futuro. Lutar para derrubar um governo sem alternativas melhores é perda de energia, criancice, bater panelas na sacada, passando o ridículo de não ter coisa melhor para fazer. Quase dois anos das eleições e a oposição não mostrou uma frase que signifique mudança, a não ser sobre a cadeira em que dona Dilma descansa suas ancas. É pouco, é vago, é mesmo irresponsabilidade de quem quer tomar o poder.

Demais, não vou tocar nas nervuras golpistas de uma certa mídia, das tendências e parcialidades de um certo judiciário ou do jogo sujo oposicionista e também não vou dizer que Dilma, Lula e PT são os primores governistas, mas o problema e a solução passam exatamente por essa gente. O governo, apesar de ser governo, está sendo investigado e punido. O governo chegou ao poder por vias legais. Se a campanha foi suja, qual a campanha que já foi limpa? O que se vê agora é que o TSE nunca se importou de fato com a prestação de contas dos candidatos. O rigor requerido contra Dilma terá de acontecer com todos. Se o TSE for mesmo justo, não sobrará ninguém. Deputados, senadores, governadores e prefeitos vão ter de perder o cargo, com raras exceções. Ou você pensa que nos demais partidos, as doações de campanha são inequivocamente legais?

Então, o que existe no Brasil de hoje é sim um grupo de crápulas que distribui viseiras à opinião pública e setores da sociedade que não suportam o PT e sua gente, mas não porque sejam honestos, mas sim, porque não sabem decifrar os interstícios da nossa república. Por essa razão, quando vejo os tucanos, em dias úteis, se embatendo com os vermelhos, eu sinto grande dó do Brasil. Quando ouço as panelas batendo nas sacadas, sinto enorme pena do Brasil e quando vejo as manifestações, nas tardes de domingo, nas praças eu me indago por que, para que? Dizem os jornalistas modernosos que na França, as passeatas ocorrem todos os dias. É verdade, mas cada pessoa que sai às ruas de Paris ou de outras cidades francesas sabe exatamente por que está ali. Não está ali, por causa das reportagens de algum similar da Veja, IstoÉ ou Época. Não está ali, por causa das ironias de algum âncora global ou dos comentários encomendados de algum engraçadinho dos jornais da noite.

Enfim, estas são as minhas razões para não ser favorável ao impeachment. Na verdade, se me chamarem às ruas para exigir programas de governo, aos postulantes ao cargo de presidente, em 2018, é provável que eu me anime e vá, porque então, vislumbrarei que gente inteligente, sem ódio e sem rabugice, está querendo lutar por um Brasil melhor e mais limpo e mais digno.

Demais, bom domingo.