crônica de um adeus impensável

Bom dia, meus amigos. Algo sério e ser refletido. O impeachment vai ocorrer, nada vai mudar, a alegria voltará aos lares brasileiros. Nunca mais se falará em nada que nos envergonhe. Pelo menos é o que deveria ser. Um número tenebroso me chamou a atenção. O placar de ontem, que aprovou o relatório do impeachment é devastador. Dos 38 votos a favor, 35 votantes são investigados por corrupção. Dos 27 contra, apenas 2. Tem algo errado ou isso não importa. Acho que isso não importa, porque o que importa mesmo é tirar aquela... senhora que envelheceu 30 anos em menos de dois. Estou a me perguntar por que ela não voltou para casa ainda. Por que o poder tem um ímã do qual pouquíssimas pessoas se desprendem. Se fosse eu, numa tarde de terça feira, punha uma muda de roupa bem simples, arrumava os cabelos por detrás das orelhas, sem maquiagem alguma, pegava uma sombrinha e descia a rampa tranquilamente como quem iria tomar um café na esquina. Chamava um táxi, ia ao aeroporto e voltava para casa. Deixava o Brasil para os homens de bem, aliás, estão sobrando exemplares dessa estirpe, inclusive nas multidões que ocupam as ruas. Amanhã cedo, seria uma quarta feira revolucionária, não para o país, porque nada mudaria de verdade. Mas, para ela. Ah, para ela, ah, nada seria melhor do que tomar um banho morno no friozinho do sul, tomar um café com a família e depois ir regar o jardim. Creio que ela esteja menosprezando seu estoque de paz, trocando pela ilusão de que a luta política leva alguém a algum patamar de dignidade. A Política é um antro, um lugar abafado, onde se respira mal, se transpira demais e se degrada o tempo todo. Fosse ela, eu não me tornaria uma velha sem algum frescor. No final da tarde daquela quarta feira, se procurada pela mídia, eu lhes diria: diga ao povo que me deixe livre para viver o tempo que me resta sem ter de responder sobre fatos insolúveis e irrespondíveis. Se acharem algum crime cometido pelos quais ainda não paguei, que me levem e me punam. Diga que me desculpo por ter tentado e não ter conseguido, por ter gasto meu coração com algo que ninguém poderá construir e manter. Diga que quero ser somente esta senhora, em busca do restante de dignidade que me sobrou, quero somente atravessar os dias, pelo menos com a sensação de quem está se harmonizando no meio do caos, este caos do qual me culpam, mas que existia antes de mim e permanecerá na vida de todos, enquanto os homens e as mulheres não se definirem pelo bem, compartilhando-o sem segundas intenções. Eu se fosse ela, ainda hoje à noite estaria em casa, fazendo compressa com água morna e ervas cheirosas, nos meus pés. Depois descansaria e repetiria: saio de cena e nem quero entrar para a História, porque o espetáculo da vida é muito mais decente e mais compensador.