Crime de responsabilidade Coletiva

Vive-se no Brasil, uma situação assombrosa de crime de responsabilidade coletiva, algo como nunca houve na História. Tentarei ser breve, embora os fatores sejam inúmeros, a saber:
 
01)   O golpe militar de 1964 foi mais honesto, porque não teve a participação popular, da forma como ocorreu, meses atrás.
02)   A ida às ruas pelas diretas já atendia uma demanda política e social espontânea, pois se tratava do interesse geral e irrestrito, em que o adversário não era sequer execrado, mas sim, o anseio da população saltava á frente, pois que escolher os mandatários e representantes se evidencia até entre aqueles menos cultos, informados e comprometidos.
03)   Depois das Diretas, a Constituição de 1988 balizou pontos fundamentais, como os recursos automaticamente voltados para a educação e para a saúde, dentre outros marcos que, tanto FHC, quanto Lula e Dilma tentaram seguir. Houve sim alguns desvios de natureza política, mas até então a Constituição estava sendo seguida.
04)   A corrupção é um eixo comum a todas as administrações e a impunidade sempre foi a marca do Brasil e fatos não faltam para ilustrar a afirmativa.
05)   Com a onda de privatizações do governo FHC viram-se diversas anomalias, que não cabem neste texto e as muitas denúncias foram varridas para os porões do judiciário brasileiro, pois que as instituições ainda estavam se estruturando de maneira mais independente e menos politiqueira.
06)   Apesar das nomeações para a Suprema Corte serem da alçada do Executivo, nos governos petistas ficou muito claro que ocorreram mudanças significativas, porque desde 2006, petistas e aliados são alvos de investigação, julgamento e prisão, algo inédito, no país.
07)   A população não enxergou essa mudança fundamental e mirou somente no fator político, que é colocar nas costas do PT e dos seus, a nojeira existente nos poderes constituídos, esquecendo-se de que algo estava mudando.
08)   O quadro ilusório se deu a partir da ideia (um tanto justa) de que Lula e sua gente não tinham o direito de roubar, mentir e enganar, talvez tentar ludibriar a justiça e a opinião pública.
09)   De 2006 até 2014, o que se viu foi a detonação dos métodos petistas, copiados da sistematização da corrupção, que nunca houvera sido novidade para ninguém. A diferença  é que agora, ainda que timidamente estavam-se dando nomes aos bois e os retirando do pasto comum, levando-os à cadeia. Este fator em si já teria de ter levado à população a uma nova visão sobre os pilares da Democracia do Brasil.
10)   Mas, os setores retrógrados do país passaram a perseguir os petistas, porque não os conseguiam vencer nas urnas. De 2008 em diante, o cerco foi se fechando para pegar o PT em 2010. Não conseguiram. Em 2014 não conseguiram.
11)   Aqui começam as manobras para o que alguns estão chamando de golpe e outros chamam de impeachment. Era preciso levar a população a ampliar sua raiva dos petistas, ainda que os esclarecidos soubessem que diferentemente de outros tempos estava havendo investigação, julgamento e condenação, seguida de prisão. Deste ângulo, o governo petista não somente estava agindo de modo a não interferir nas instituições, como estava jogando de maneira que não conseguia evitar a queda das suas pedras e isso era ótimo para o país.
12)   Os perdedores de 2014, juntamente com os aliados do PT impetraram o golpe. Os primeiros, porque sabiam que também eram alvos das investigações e os segundos, porque viam no governo dilmista, a enorme dificuldade de barrar o trâmite da Lava jato, coisa evidente, principalmente com Lula, mesmo que o que havia contra ele, vinha de uma peça, agora suspeita, segundo os áudios de Romero Jucá.
13)   Movimentos pseudos populares como o MBL, Revoltados Online e Vemprarua receberam injeções financeiras, que ainda serão investigadas, para movimentar pessoas e leva-las a protestar contra a corrupção generalizada no país, mas com ênfase em Lula e Dilma.
14)   Para colar, o governo Dilma tinha de ser fragilizado em todas as frentes e mais notadamente na Economia. O dinheiro foi represado pelos grandes investidores e empresários, a um custo imoral e irresponsável para o país, porque o que queriam era tomar o poder, livrar a cara de alguns políticos e para tal, o custo não importava muito.
15)   A Operação Lava Jato que já mirara exclusivamente os figurões petistas e aliados, a exemplo do mensalão, tinha e teve o papel de espetacularizar os fatos, em sincronia com os meios de comunicação, muitos deles, claramente contrários ao PT. Com isso, a opinião pública veio de roldão e o ambiente ideal para o golpe estava se tornando propício.
16)   O STF, com suas decisões, no mínimo, estranhas e, no máximo, suspeitas, deram o tom dos dois pesos e duas medidas, tendendo com facilidade a expor os petistas e Dilma, enquanto amenizava para as demais figuras.
17)   Foi fácil levar as pessoas às ruas para protestar contra o governo e querer a saída de Dilma, cambaleante por causa de uma peça de impeachment, mal ajambrada de encomenda por Janaína, Bicudo e Reale. Esta peça foi e é apenas um pretexto para coroar a estratégia do golpe.
18)   Como se sabe agora havia mesmo um arranjo para retirar Dilma de qualquer forma e os objetivos não eram apenas por causa da Lava jato. Agora se sabe mais. O golpe é também contra a Constituição, haja vista que não continuar obrigado a cumprir metas com a educação e a saúde, demonstra que o governo ilegítimo de Temer promove um retrocesso homérico nestas duas áreas e também noutros critérios sociais que abalam muitas das conquistas ensejadas ainda no governo FHC.
19)   Tão logo Dilma caiu, os movimentos pseudos populares silenciaram e a população que foi às ruas, em vez de se envergonhar, tenta justificar a legitimidade de um governo que tem em seus quadros gente tão corrupta, tão citada em delações, tão mal investigada, em detrimento dos petistas, com nenhum preso ou impedido de assumir ministérios, como se isso não fosse covardia.
20)   O silêncio dos covardes não é em relação ao petismo e seus quadros, mas em relação à nação, porque não se pode ficar quieto, como se houvesse dois tipos de bandidos e de corruptos, os petistas, contra quem se quer máximo rigor antecipado e os demais, que podem ficar a solta e exercendo cargos chaves, até se provem o contrário.
21)   Agora que se sabe tudo – que foi mesmo um golpe – que o judiciário está comprometido – que há um protecionismo aos demais corruptos – que Temer foi realmente um usurpador e farsante – que sua turma, em verdade, é golpista, chefiada por ele e Cunha – que os movimentos de rua eram de mentira – que a população não quer enxergar e mudar de opinião – que Dilma, mesmo inocente quanto à peça julgada pelos delinquentes não voltará – vê-se que o conjunto de decisões de Temer é uma afronta à sociedade – é possível afirmar que no Brasil está em curso uma gama de crimes de responsabilidade coletiva.
22)   É impossível imaginar que em um país minimamente honesto com a sua Democracia ocorra algo como ocorre por aqui. Querer boicotar artistas como Caetano, Chico e Gil, ao tempo que se acha normal, Alexandre Frota ser recebido pelo Ministro da Educação com palpites para um setor crucial como este. Há algo estranho, mas não está apenas na classe política e dominante do país. Parece que a população está anestesiada ou em coma e isto vai custar mais caro do que o rombo apresentado por Temer, nas contas do Brasil. A gente sabe que é mentira, mas e aí quem vai às ruas?