Carta Aberta ao Papa Francisco

Carta Aberta ao Papa Francisco
 
Fevereiro 2014.
 
Saúdo Sua Santidade dizendo que meus pais me batizaram com o nome de José, mas eu não sou católico, porque sou gay e desde que me sinto íntegro vi que honestamente não caibo em qualquer religião. Eu não sou livre para ser gay e religioso, embora considere católicos livres para serem católicos, assim como respeito religiosos de todos os credos, ainda que não concorde com os diversos modelos de fé, principalmente no que apresentam de anormal. Anormal, Santo Padre, é qualquer escolha que faz mal aos demais e que não é mudada por causa das passagens bíblicas (altamente desconfiáveis) e que, por tradicionalismo, conservadorismo e dogmatismo persistem, ainda que os resultados sejam desastrosos.
Por exemplo, Santidade, a ideia fixa ds religiões considerarem o homossexualismo algo não natural, tendo a Ciência já se manifestado a respeito disso, dizendo que não há tendência homossexual, mas estímulos biológicos, orgânicos, naturais. Não sei se o Sumo Pontífice sabe, mas somente no Brasil, um homossexual é assassinado, a cada 28 horas, pelo simples fato de ser o que a Natureza lhe impôs. No íntimo, somente os homossexuais sabem que são o que são, porque naturalmente são. A relutância das igrejas é responsável por essa injustiça - que coloca os gays como os seres mais perseguidos e estigmatizados do mundo, em todos os tempos.
Sua religião é poderosa, o senhor é um homem compreensivo e revolucionário. Seria dadivoso e generoso da sua parte que fizesse esse ajuste, passando por sobre as opiniões ultraconservadoras da sua Doutrina. A justificativa seria a de que a Igreja já cometeu muitos erros, pelos quais teve de desculpar-se ou de pedir perdão depois e de certo tempo. Santo Homem, não está na hora de compreender que existem liberdades individuais que não se podem evitar, ainda que em nome de Deus? Ninguém escolhe ser judeu, palestino, indiano, africano, negro, branco, mulher, pobre, portador de deficiência, dentre outras incidências, assim como ser gay e isso deveria ser universal e divinalmente respeitado.
Veja, Sumo Pontífice: existem leis que nos punem, caso discriminemos alguém, mas as instituições religiosas deveriam ser as primeiras a considerar ilícito discriminar alguém, sob qualquer premissa e no caso são as últimas a aceitarem algo que está evidente. (Os gays formam um grupo crescente a cada década. É impossível que existam tantas pessoas que escolham ser gays por mero desejo de experimentar sensações condenadas pelas religiões, sabendo que o custo social e existencial é terrível, em alguns casso abreviando-lhes a vida).
Os gays, Senhor, são perseguidos e punidos no mundo inteiro e são combatidos por todos os credos. O conservadorismo de todos os setores do mundo pode discordar em muitos tópicos, mas quando o assunto é homossexualidade, a opinião é unanime. Imperioso enfatizar que o Catolicismo, no caso do Brasil, poderia realmente dar um grandioso passo para mudar essa injustiça humana, com o aval discutível de Deus. Muitas das ocorrências contra outros grupos discriminados, como é o caso das mulheres no mundo islâmico, são rechaçadas por outros credos, mas as penalidades e as dificuldades impostas aos homossexuais recebem um silêncio não honroso e cruel por parte de outras religiões, exatamente porque fundamentalmente concordam com a barbárie.
Peço que Sua Santidade reflita. Dirijo-me ao senhor porque as outras religiões são mais fechadas, obtusas e incompreensivas e o Catolicismo ainda é maioria no Brasil. Reflita Senhor sobre os argumentos contrários aos homossexuais, já que os evangélicos são inoportunamente fanáticos por esse tema. Dizem que os gays vão destruir a família. Todos sabem que não. Propagam que o sexo é apenas para procriação. Que procriação, se o mundo tem mais de um bilhão de pessoas passando fome? Todos sabem que a homossexualidade incide na humanidade desde sua origem. Nada, Santo Padre, justifica continuar perseguindo os gays e retirando deles direitos fundamentais, entre os quais o de viver oficialmente junto à pessoa amada e compartilhar herança, entre outros direitos, haja vista que cumprem com seus deveres legais.
Os gays são oprimidos nas suas existências, em áreas que normalmente outros homens não são. Eles não podem escolher uma religião, formar uma família, conquistarem direitos e, em muitos lugares do mundo, não podem ser sequer o que são e sentem na sua intimidade. Há algo de bastante errôneo, mas isso não passa pela natureza homossexual. Há algo de muito errôneo no que as doutrinas e no que a Tradição tem de antinatural e desumano. Mesmo que fosse uma escolha esta escolha deveria ser respeitada, porque não sendo respeitada, qualquer que desrespeite essa escolha estará desrespeitando um direito primordial, o do Livre Arbítrio, lei que não é revogada por Deus algum.
Cito Santo Padre, algumas pragas religiosas mundiais que os Estados nos fazem respeitar, porque devemos respeitar escolhas, ainda que apresentem um grau de absurdez, que são muito mais graves do que um homem ser homossexual. Estou falando de ações de um grupo contra o indivíduo sem que o indivíduo consiga se defender.
a)      Por exemplo, Padre, como os homossexuais da Rússia se defendem da criminalização da homossexualidade por parte do Governo? Ninguém diz nada.
b)      Quantas instituições mundiais se declaram contrários ao fato das Testemunhas de Jeová deixarem morrer seus seguidores por não se submeterem às transfusões de sangue?
c)      Quais os órgãos internacionais exigem dos Estados islâmicos a suspensão dos suplícios e até mortes, contra mulheres e homossexuais, pelo fato de apenas utilizarem seu corpo com a liberdade que lhe é concebida pelo Livre Arbítrio? 
Veja que no caso das mulheres, serem infiéis ou estudarem, é uma escolha. No caso dos gays nem escolha é. Fica claro, Sua Santidade, que as religiões precisam ser enquadradas no Estatuto dos Direitos Humanos Universais. Não são, porque perversamente as religiões conseguem imunidade junto aos poderes constituídos.
d)     Nos parlamentos, Políticos extremistas e religiosos políticos lutam para criar leis antigays por causa das suas convicções de fé. Mas, Padre, não seria mais divino compreender que a cada um será dado segundo a sua obra e deixar cada um ser o que é, arcando com as consequências, sejam as previstas pelas crenças judaico cristãs, sejam por outras crenças? Isso não é mais lógico, mais justo?
e)      Ninguém reclama em lugar nenhum do mundo sobre os ganhos com dízimos e as isenções que as religiões têm e, a opinião pública formada por adeptos destas mesmas religiões concordam em negar os direitos individuais dos homossexuais, mesmo se tratando de um reembolso pelos impostos pagos por eles. Como vê Pontífice, há algo de muito desigual e perverso contra os gays. os religiosos são demoníacos, neste sentido, com ênfase para os evangélicos, os islâmicos e os judeus.
f)       Por fim, para enfatizar ainda mais a cruzada tenebrosa contra os homossexuais note essa sequência histórica:
* A humanidade é múltipla em suas escolhas. Os preconceitos existem milenarmente sem que as religiões consigam evita-los por meio das suas prédicas, homilias, encíclicas e escrituras e cultos em geral. Os religiosos são preconceituosos. Foram preconceituosos e tendenciosos com escravos brancos, pobres, magos, bruxos, cientistas antigos, negros, índios, mulheres, alguns portadores de enfermidades e os homossexuais. Todos foram e alguns ainda são vítimas de exclusão e de preconceito, mas nenhum grupo teve a humanidade unida pelos credos contra si, quanto os homossexuais. E ainda é assim.
Os evangélicos, também cristãos, buscam na mesma fonte literária que o Catolicismo e o Judaísmo, suas convicções escabrosas contra os homossexuais. Este grupo, os judeus e os islamitas são mais sistemáticos, duros e desejam de fato exterminar os homossexuais da face do planeta. Não há como fazê-los mudar; porque suas mentes estão danificadas pelo puritanismo indelicado e cruel e dificilmente mudarão. 
 
Há consenso em perseguir os gays, tanto que após a segunda guerra mundial, todos os prisioneiros de guerra foram libertados campos de concentração e voltaram para suas casas, menos os gays, que continuaram presos, porque a homossexualidade era punida na Alemanha. Hitler desconsiderou a inviolabilidade dos lares, da intimidade sagrada dos indivíduos, ao ponto de muitos cidadãos não poderem sequer receber, entre suas paredes, amigos e parentes. Essa comparação me assusta, Santo Padre, mas é isso que os católicos, de certa forma, que os evangélicos de forma ostensiva e odiosa, que os judeus e ortodoxos orientais e islamitas de forma mais severa, fazem contra os gays. Eles retiram dessas pessoas a liberdade de serem como são e de fazerem o que quiserem das suas vontades íntimas nos seus âmbitos individuais.
O mais alarmante, Santidade, é que os homossexuais não conseguem clemência, sequer de alguns grupos perseguidos. Brancos, pobres, ricos, gurus, alguns cientistas, negros, talvez índios, mulheres menos sensíveis, e alguns portadores de enfermidades, ateus, religiosos, gente de todas as classes olham os homossexuais com estúpida reserva, indiferença e ou ódio, no mínimo, com repulsa disfarçada de simpatia. São muitos os tipos de exclusão e de preconceito, mas nenhum grupo encontra tanta resistência à aceitação, sobretudo porque a humanidade é religiosa e não espirituosa.
Esta carta; Sumo Pontífice, é um clamor de alguém que sabe que é do bem, que promove a paz, que ama seu companheiro e ama os seres humanos. Sei que somente alguém, com visão franciscana, abrirá uma pequena fresta de entendimento da condição desvantajosa dos homossexuais. Tenha certeza Santidade que se pudéssemos e falo pelos milhões de gays do mundo, se pudéssemos não seríamos assim, porque muito da nossa plenitude existencial é adiada e nossas conquistas sociais são muito mais difíceis. Veja que não estou ainda citamdo a prossibilidade imanente de termos no Brasil um Estado teocrático, a medir pelo avanço dos evangélicos no país (e eles têm sede de poder) e da diminuição de católicos. Uma maioria religiosa, nos moldes islâmicos, judaicos e evangélicos é a certeza de conflitos, que já não cabem mais a essa altura do crescimento do discernimento dos grandes homens.
Acredito piamente que se o Catolicismo mudar seu tratamento aos homossexuais servirá de baliza para outros credos, também diminuirá o número de assassinatos por motivo de homofobia e reduzirá os suicídios. Não queremos a bênção, o casamento ou os sacramentos, mas tão e tão somente sermos vistos como seres absolutamente merecedores de vivermos o que quisermos sem a tarja de malfeitores ou de monstrengos, porque nenhum dos indivíduos ou grupos ou classes citadas são prejudicados diretamente pelos gays. Ninguém é mais periculoso para Deus do que os homens incapazes de amar incondicionalmente.
A gente sabe e Sua Santidade também que existem muito mais fatos monstruosos do que a delicada condição dos gays. Por enquanto requeremos que a nossa humanidade seja reconhecida e que nossos direitos sociais sejam contemplados. Demais, que cada um creia no que quiser, mas não queira com sua crença estigmatizar os demais, porque bastam os estigmas que os religiosos colocaram sobre Deus. É tão necessário e urgente esse olhar, até porque Santo Homem, os homens ainda não chegaram a um acordo sobre qual é o Deus em que todos devem crer. Deus é enorme e poderoso, Papa Francisco, e pode suportar as contendas humanas e suas pequenezas, mas nós somos apenas pessoas, frágeis e mortais.
A maior parte da humanidade está nos fragilizando ainda mais e nos matando por motivos mais irrelevantes. Nós não queremos matar os religiosos por causa da irrelevância de todos os tipos de fé que preferem a exclusão, o ódio, o preconceito e a perseguição, a simplesmente deixar livres aqueles que não os incomoda. Saiba, Amado Padre, que o que fazem conosco não é assunto de Deus, é questão vulgar de conservadorismo arraigado e de uma moral que não se vê nos serviços públicos, nos homens públicos e até em alguns líderes espirituais.
 
Com sua graça,
José Carlos de Sindolfo Silva
Pobre, mestiço, nordestino, homossexual, jornalista, poeta, escritor e gente que todos os dias luta para que todos sejam livres de verdade, em nome da dignidade e para que, se houver Deus, Ele possa reconhecer nos humanos uma obra grandiosa. Que São Francisco de Assis o inspire com a máxima: Onde houver renitência que eu leve o acolhimento ideal.