Bilhete escancarado à Dilma

Dona Dilma, bom dia!
Levantei-me cedo com a ideia fixa de fazer chegar à sua mente, uma onda persistente de dicas que acumulo e com as quais convivo de maneira importuna. Verdade é que estou tremendamente incomodado com o Brasil, mas, apesar disso, o incômodo aumenta por saber que não há lugar melhor na Terra para se viver.
Primeiramente saiba que 7 em cada 10 pessoas não gostam da senhora, mas eu gosto e gosto não se discute. 
E é porque gosto da senhora que me reviro durante noites e noites, envolvendo a senhora com um tipo de manto amoroso e revisto sua presença com uma trama de afetos que sei, ninguém no mundo o faz.
Eu me compadeço demais das pessoas fracas e a senhora é mais fraca que todas as outras pessoas, porque não consegue resolver seus dilemas com o poder. 
O poder é a câmara escura que revela exatamente o tamanho da fraqueza. A senhora é tão mais fraca, quanto mais se arraiga neste poder.
É verdade que lhe foi dado dentro das regras estabelecidas, como é verdade também que as regras sempre foram relativamente frouxas e tendentes às más ações, tanto no que se refere às escolhas aos cargos, quanto à maneira como as ascendências são financiadas e também como se executam os ritos do poder. 
Portanto, a senhora sabe que o poder político, mesmo legal ou legítimo, é, sobretudo, indigno, quase imoral.
O Brasil parou, porque as mulas financiadoras dos seus movimentos empacaram, por quererem que a senhora e o seu partido se aniquilem. 
As forças de tração dessa política nojosa estão se alinhando do lado oposto ao seu, neste cabo de guerra. 
Seus aliados, na maioria, estão atônitos. 
Na Câmara, dos 513 deputados, 272 votaram pela continuidade do seu impeachment. Faltam apenas 70 votos para que sua queda aconteça. Se o STF não estagnar o impeachment, ele ocorrerá e sua saída pode ser utilizada para faze-la de vítima, mas duvido que isso seja belo, como belo não é derruba-la.
Dos 241 votos faltantes ou talvez favoráveis a sua permanência, 199 votaram a seu favor. Outros 42 estão na nebulosa omissão dos que querem confundir, vendendo uma falsa prudência que de fato é esperteza. 
Na volta do recesso, estes 42 e mais alguns entre os 199 voltarão decididos pelo impeachment, isso porque a opinião pública já se contaminou e ninguém quer saber de legalidade. A maioria quer que o seu poder se esfarele. 
Eu sei que não deveria ser assim, mas em política, nada é mais lógico do que as curvas, sejam ascendentes ou descendentes. 
A senhora está em queda.
É bem provável que se chegue aos 342 votos necessários. Se isso é justo, injusto, legal ou ilegal; pouco importa ao eleitor comum. 
A verdade é que é mais fácil engrossar a fileira do impeachment do que a fileira da sua permanência. 
Está evidente que o seu poder, por hora, legítimo, está muito fraco e essa fraqueza resulta do trabalho feio dos seus opositores, mas também, em poder político, o feio geralmente vence, quando o cenário é sombrio.
Mas essa fraqueza, minha senhora, fabricada com artefatos sujos, está dando enormes prejuízos ao país. Eu lhe pergunto, o que é mais digno, ser forte para sair da arena de maneira saudável ou ficar para ser devorada pelas feras que querem vê-la sangrar, como disse um "honestíssimo" senador de bico longo?
Esta noite, numa das minhas reviradas na cama, levantei, tomei água e indaguei-me: se eu fosse Dilma faria o quê? 
Suei frio, sentei-me no pátio do sítio, olhei as estrelas, tinha uma meia lua no céu, quase rompendo o horizonte e um vento morno me acalentou. Vieram-me os gritos da torcida mandando a senhora a lugares desrespeitosos e fazer algo impublicável. 
Revi todos os posts ofensivos à senhora, até de muitos amigos e reli os cartazes agressivos dos manifestantes.
Ouvi os gritos de quem lhe tange como não se faz sequer aos cães sarnentos.
Vi os bonecos inflando-se ao ar, nas avenidas, chamando seu antecessor de bandido e ridicularizando a imagem da senhora. 
Muitos dos líderes, uns pobres meninos, de intelectualidade imatura, não sabendo mais o que criar para revelar mais malcriações contra a senhora.
Primeiro defini que a voz do povo não é a voz de Deus.
Depois senti que a gente deve mudar algo imediatamente: 
A maioria não é confiável. 
As minorias são mais sensatas. 
Então eu disse para mim que a senhora deveria entender que o poder político é indigno e que a dignidade está exatamente em não se apegar a ele, o poder.
Sendo a senhora chamaria os serviçais do Planalto e dispensaria os seguranças, convocaria uma coletiva e apenas na presença dos serviçais e dos seus entes mais queridos leria o discurso de dignidade explícita que ensaiei para a senhora e transcrevo, a seguir:
“ Homens, mulheres e crianças do Brasil: eu os saúdo com a franqueza de uma pessoa comum. 
A minha história de vida desmerece fraqueza, então, ouçam-me compreendendo que este é um ato de força, de um poder me dado por algo mais forte que as urnas. 
Sei dos meus direitos e sei que a legalidade democrática está em processo de violação pública. 
Sei que o país está perdendo muito todos os dias, porque os políticos brasileiros pensam no poder político apenas como poder de malfeitorias, ao ponto de ultrapassarem a linha intocável dos valores democráticos. 
Amo o Brasil e amo a Democracia e amo a cada um de vocês. 
Tenho idade para me sentir mãe ou avó da maioria e tenho o dever de ama-los de verdade e não dependo das urnas para isso, mas da oportunidade que tive de representa-los e da oportunidade que tenho de ser ouvida, pelo menos agora, por todos ou pela maioria. 
Este é um discurso de vitória. 
Eu venci o mal que faz os seres de estatura pífia se agarrarem ao poder. 
As manifestações de repúdio à minha presença no Planalto fortaleceram a minha vitória, pois percebi que os movimentos populares não leem a política como ela é. 
As oposições legitimaram minha vitória, porque percebi que em política, os embates são mesquinhos e os combates são violentos e gratuitos e que os verdadeiramente convictos do bem que podem fazer, o fazem exatamente fora da política, no anonimato dos simples - que vivem os eventos simples do dia a dia. 
Os ladrões e corruptos, os mentirosos e populistas, os sectários, os bandidos, os inclassificáveis, de todos os lados da política, insuflaram-me a esta vitória, porque me ensinaram que todos os movimentos dos poderes políticos são banais, inócuos e com alta relevância criminosa. 
Do jeito que é feita, a Política é um ramo para os crápulas.
Esta mulher que vos fala é uma vitoriosa, sob todos os aspectos. 
Entra para a História do país como o primeiro exemplar feminino que chega ao mais alto posto político, eleita duas vezes legitimamente e que, em respeito a este feito extraordinário, anuncia que são sujos os poderes políticos e estes poderes são impossíveis de se alinhar comodamente em algum coração limpo. 
Falta à Política, a honradez que ainda não se fixou nos homens e mulheres que se envolvem com o bem público. 
Minha somatória de vitórias chega ao auge da máxima vitória: a vitória de quem descobre que o mais dignificante trabalho de quem vive é fazer, com sua presença, que todos se tornem decentes. 
A decência é o único bem que uma nação precisa, porque é inegociável, seja por meios lícitos ou ilícitos. 
A decência não se corrompe e fora dela não há nada que valha à pena. 
Por isso, em nome da decência que já adotei, em nome da dignidade que o poder político não me permite, mas que eu quero tê-la comigo e em mim, e, por fim, em nome da liberdade de ser melhor anonimamente, sem qualquer saudade, 

Renuncio ao cargo de presidenta da República 

e volto para casa com o senso grato de quanto o povo brasileiro me ensinou, ao me acolher pelas urnas e ao me refutar pelas manobras aterradoras que a Política enseja. 
Adeus!”
Dito isso, minha prezada presidente, seus objetos pessoais já devem ter sido transportados a sua casa. Sorria de dentro para fora e com um brilho honroso nos olhos, desça a rampa e se eleve muito mais nos corações daqueles que como eu, sempre torceram pelo seu bem estar, principalmente como pessoa comum.