A liberdade de expressão e a ditadura da rudeza modernosa

Então eu lhe disse que, modéstia aos caroços de pitomba na caixa de Pandora, eu tenho um dom misterioso para identificar interesseiros, gente de mau caráter, pessoas dissimuladas, papagaios de pirata ou aqueles que ouviram o galo cantar sem saber aonde.
Disse, mas ele não percebeu que falava com ele, que o pior é quando as qualidades se juntam numa mesma criatura, fazendo-a típica representante da rudeza modernosa que as necessárias liberdades democráticas, sobretudo, a liberdade de expressão, permitem que transitem entre cidadãos com visão inclusiva e não excludente, quanto à humanidade.
Possuo, sim, um aparelho intangível e indefinível, num ponto de mim também intangível e indefinível, para enquadrar os zumbis sócios políticos e procuro sair de perto para não exorcizá-los, porque este não é papel digno a uma pessoa digna.
Estes arquétipos humanos estão principalmente na Política, à frente de algumas religiões e, não raro, em qualquer lugar onde exista a mínima possibilidade de ganho fácil, seja de alpinismo social ou por uma boquinha módica, em algum setor da sociedade, para o qual não se qualificaram adequadamente.
São pessoas que não discutem ideias, mas as condições ideais para chegarem perto do lugar onde chegarão as verbas, em que haverá influências, probabilidades ilógicas do que elas chamam de sociabilidade, quando na verdade, suas preocupações são apenas de fluxo. Fluxo de grana ou de vantagens para suas esferas pessoais.
Assim é que quando pessoas assim se aproximam, o idealismo é combatido, porque elas não têm ideias para melhorar o mundo, a sociedade, sua cidade, sua rua, seu condomínio, sua casa ou a si mesmas. Elas são inoportunas e oportunistas e, na primeira oportunidade, guinam para o que lhe faz vibrar: a sobrevivência insalubre que causa insalubridade nos demais.
São as que se candidatam a qualquer coisa, desde que essa qualquer coisa esteja no eixo dos seus sonhos mais constantes, entre os quais, o de ascender a qualquer custo. Hoje, fala-se muito da maioridade, por causa dos crimes dos adolescentes, porém os maiores criminosos do planeta têm mais de 60 anos, estão na Política e são os crápulas que se doutoraram na arte de agir como zumbi, começando exatamente como estes que se candidatam a verear ou até mesmo para conduzir alguma agremiação ou condomínio, sem ter uma ideia simples que seja para beneficiar e melhorar a vida de todos.
Ele continuava pensando que eu estava falando de outra pessoa e então eu lhe disse que defenderei sempre as liberdades individuais, grupais, políticas, setoriais, de gênero, de raça e religiosas e outras mais que se inventem, mas nunca vou me conformar com o fato de usarem as liberdades fundamentais para, de alguma forma, atingi-las e dificultá-las.
E é assim que ocorre agora no mundo: um enorme gozo de liberdades (essenciais) que estão contaminando as liberdades fundamentais e de modo quase imperceptível por pessoas, a que denomino zumbis sociais.
Por exemplo, a liberdade política, imiscuída na religião e nas questões de gênero deturpam a natureza dos deuses e a natureza dos seres diferentes, mas as religiões utilizam-se da sua liberdade inatacável para ocultar o achatamento das naturezas divinas e expõem violentamente sua abjeção à natureza dos seres que possuem Variação Espontânea dos desejos sexuais.
Essa maçaroca atinge, em cheio, a liberdade de alguns indivíduos e, por extensão, a liberdade fundamental inerente à humanidade.  Já os diferentes que se embatem de maneira radical contra seus opositores, sem fortalecer o discurso fraternal para desmoralizar as religiões, também politizam demais o que necessita de vida a mais.
O discurso religioso entremeando a Política contamina a laicidade do Estado, empaca o desenvolvimento humano, segundo os parâmetros científicos e até humanitários e, disfarçado e amparado pelos ditames democráticos contraditoriamente fere a natureza inviolável da Democracia e tudo isso parecendo normal, sendo absolutamente inconcebível.
O discurso ideológico, seja de qualquer cor ou tom, foge da questão central indesviável, sobre ser inclusivo ou excludente, como disse Paulo Freyre e cai na vala comum opinativa, a título de ser libertário ou justo, mas este discurso ideológico está desbotado em todas as suas cores e estupidificado em todos os seus tons.
Assim, o que parece ser imprescindível à Democracia é também a causa dos maiores combates e não embates ou debates democráticos, sobre os quais pesam o jogo de mentiras, falsificações, versões desrespeitosas à inteligência e despenhadeiros antidemocráticos pelos quais rolam exatamente aqueles que acreditaram demais nestes fatores para assegurar o conjunto geral de liberdades inatacáveis.
Depois, também, os jornalistas, como você – disse, fitando-o demoradamente, arvoram-se da liberdade expressão para poderem dizer o que querem e como querem e principalmente como são pagos, sem se importar com o sentido humanitário esperado das suas funções.
Então, este poder que deveria balizar a ética e a fineza existencial de todos os outros setores, embora requeira para si, liberdade expressiva absoluta, é um dos setores mais rudes e grotescos da sociedade e da democracia, decerto por se apropriar de valores excepcionais e deturpá-los, por interesses mesquinhos e transformá-los em “pseudos” valores, transmitidos como reais e ideais.
Por isso, a liberdade de expressão também contribui para desmantelar as liberdades que deveriam ser preservadas, defendidas e ampliadas essencialmente por sua funcionalidade. O problema é tão grave que envolve até o humor. Será que uma boa piada, por causa da liberdade de expressão, pode ofender alguém, um grupo ou a espécie? Mas, no caso do humor, ainda vejo que é mais honesta a abordagem do que a jornalística.
De forma, que juntando tudo, o fator defectivo das liberdades em vigor aparece como dano geral, através dos zumbis sociais, os interesseiros que se esgueiram na margem suja dos fatos, os de mau caráter que entram nos contextos para arrancar os tópicos que satisfazem a sua conveniência.
São pessoas sombrias, forasteiras na vida ideal esperada por outras pessoas.
Ah, você deve se perguntar se eu nunca me engano. Engano-me sim, mas se não ver de perto e ler os olhos desses mal feitores.
Foi assim que me enganei com os que eu tive por líderes: é que somente os via pela televisão.
Portanto, espero que se eleja a qualquer coisa, mas não pense que me engana. E só. Ele assentiu aborrecidamente e saiu sem se despedir e achei nisso uma grande economia de energia.