A diferença entre golpe e impeachment

O oráculo se caracteriza por fazer leituras dos fatos diferenciadas das que se leem na grande mídia. 

FHC e o tucanato afirmam que não está havendo um golpe no país. Os manifestantes acreditam e defendem que o governo do PT seja varrido, a qualquer custo, e para isso, impeachment ou golpe, tanto faz. Os adversários dos petistas, de todos os tons de cinza e lama, querem mais é que Lula, PT e Dilma se explodam. A grande mídia, idem. São atores sociais diversos que estão apenas querendo retirar o PT da linha de frente do protagonismo político brasileiro.

Muita gente boa, como Ferreira Gullar, o filósofo desponderado e outras eminências incontrariáveis afirmam, confirmam e carimbam que o impeachment votado pela Câmara dos deputados não é golpe. O Oráculo discorda, porque estão confundindo uma coisa e outra. Impeachment se configura legalmente quando o processo encaminhado ao órgão julgador do mérito é completo, sem falhas e sem frágil escopo diante das argumentações contrárias. Serve também para corrigir o rumo legal de qualquer governo, sob a batuta de um presidente consistentemente acusado de crimes, sejam quais forem.

Golpe, por óbvio, é o contrário disso. O que acontece no Brasil de agora é uma contaminação do contexto, não se sabe se proposital. 

Dilma e PT, em companhia de Lula, estão sendo acusados de diversos crimes, muito mais graves do que crimes de responsabilidade, haja vista que estes crimes de responsabilidades não conclamam os quesitos mínimos irrefutáveis para o pedido de impeachment. Então, para não ser golpe, os oposicionistas e todos os atores que querem retirar Dilma, PT e Lula de circulação, nos bastidores do poder, teriam de ter dado urgência na comprovação de outros crimes e não nos que foram tipificados na peça votada domingo pela câmara, com requintes de circo e daqueles que ostentam espetáculos de péssimos gostos.

Bicudo, sua filha e Reali foram infelizes demais, tanto que pai e filha já afirmaram que a votação foi política e não técnica. Foi assim por duas razões: os motivos técnicos são frágeis e a peça serviu somente de pretexto para os inimigos e os traidores do governo deitarem e rolarem no esmagamento do PT, na fratura da legalidade e no fiasco do inimigo de todos, a “jararaca” Lula.

Motivos para impeachment existem às pencas, mas não se sabe por que estão amarrados no TSE e no percurso das investigações da Lava jato. Das três, uma: ou as provas do TSE são inconsistentes ou atingem outras figuras que não podem sofrer abalos. A terceira razão seria que inexistem provas substanciosas para abalar Dilma, prender Lula e encrencar ainda mais o PT. Neste caso, o impeachment não teria a peça perfeita e o golpe fica ainda mais bem configurado.

Há uma demora terrível no julgamento do TSE e um cuidado, talvez justificado, do STF em muitas das acusações em curso. Mas, a verdade é que todos os movimentos da sociedade, de 2014 até o último domingo foram milimetricamente pensados, pesados e medidos para atingir os governistas, sobretudo, do núcleo mais próximo da presidente. 

Se havia outros atores em situações investigativas semelhantes e se deu atenção máxima e exagerada, em alguns casos, apenas contra os petistas, significa que setores da sociedade concordaram em linchar um único grupo, em detrimento dos demais. Isso tem um nome: golpe ou justiça parcial ou injustiça mesmo. E só não esperam outras provas, porque golpe visa à tomada do poder e quanto mais cedo ocorre melhor para os golpistas.

No embrião do que se pode chamar de golpe, não desvalorizando os motivos que ainda poderão surgir para o impeachment, os manifestantes tiveram peso excepcional. Permita acrescentar que se não houver confusão entre os crimes que ainda poderão ser imputados a Dilma e os que foram apontados na peça de Bicudo, Janaína e Reali - é possível desmascarar os atores envolvidos no que houve até o último dia 17/04/2016. O que houve até então é um golpe esplêndido. As demais denúncias, ainda em investigação, redundariam em impeachment. Não contaminado o contexto, a população não apoiaria o golpe, porque não visualizaria crimes que ainda seriam comprovados e leria que a peça que já foi votada era insuficiente para afastar a presidente, por mais inapta que ela seja, fosse ou viesse a ser.

Roubando a espontaneidade das manifestações de junho de 2013, alguns líderes, entre eles Chequer e Kim, impetraram um atiçamento nas ruas, dizendo ser contra a corrupção irrestrita, mas como se viu, era somente contra o mesmo núcleo governista. Assim, a população foi induzida a erro e embarcou no apoio que foi fundamental para a votação de domingo, pois, sem as ruas, os deputados não votariam com tanta veemência e vexames como ocorreu. 

Os manifestantes são corresponsáveis pelo golpe, talvez por instrução inconfessável dos setores políticos e empresariais, já que o grau de dificuldade da Economia foi expandido por gente que controla a Economia e sabe que quando esta está mal, a população muda logo de opinião sobre o governo. 

E veja, isso não significa que Dilma desmereça perder o cargo, mas nitidamente não deveria perde-lo em troca de tremenda ruptura constitucional e por manobras sujíssimas. Porque a diferença entre golpe e impeachment surge exatamente quando a veracidade técnica dos fatos é julgada sobre a base legítima da constatação legítima da existência do ou dos crimes. Isso não ocorrendo. é golpe, viu vossa eminência parda, FHC. O senhor deveria dar exemplos, senão como político, mas como professor e pessoa que se diz honrada.

Fora a isso, os agentes julgadores, a traição de Temer, o jogo sujo jogado nos bastidores, a criação de um produto valioso como o paralelismo veemente da formação de um novo governo serviram para atrair votos a favor do golpe que, se Temer tivesse apenas permanecido como vice-presidente; e Cunha não fosse a figura que é, tenha a mais cristalina certeza, o resultado teria sido outro. 

Portanto, houve golpe, sim, Dilma vai cair, o PT vai demorar a se reestruturar e Lula só se safará, caso não seja incriminado pela Lava Jato. E não sendo, anote aí: ainda poderá ser de novo presidente do país. Caso seja incriminado justamente, então será uma despedida horrível para quem já foi apoiado, não digo amado, por sete em cada dez brasileiros.

Mas, o extrato nojoso do golpe deve ser contabilizado contra os que irão abafar a Lava Jato, e aí entram todos, com destaque para Temer, Cunha, Renan, Jucá, Aécio e o tucanato, em geral, e além, é claro, e para o Oráculo, o que mais preocupa, os líderes das manifestações que mentiram e manipularam a população, conclamando para que viesse às ruas contra a corrupção, mas sem explicitar que era contra somente a corrupção dos petistas.

Sob todos os aspectos, o Brasil vive o período mais assustador da sua História, porque quando surgiram os elementos testadores da eficiência das instituições, elas se mostraram tão contaminadas, quanto o contexto que mistura tópicos tão diferentes como golpe e impeachment.

Para finalizar, e como não podia ser diferente no Brasil, a grande pizza, talvez com os maiores corruptos livres do país, levando charutos para Lula em alguma prisão, isso sob o aplauso entusiasmado, talvez eufórico, da maioria da população. E o golpe mais grave: as pessoas se sentirão mais dignas, mais conscientes, e convencidas de que fizeram um grande bem à Nação. Enfim, gente!