A Democracia e a complexa ideia de liberdade

Há anos digo que a humanidade vive uma crise de pensamento. 
Perdeu-se a capacidade de analisar um assunto por inteiro, com isenção, tratando o fato como é e permitindo que se estabeleça um vínculo precioso com a essência. 
Essa terrível decadência coincide com a incidência em massa do partidarismo midiático e o surgimento de fontes jornalísticas que agem como patrões dos amitentes das notícias. 
A situação agravou-se nas últimas décadas com o sucateamento da educação, em todos os níveis, causando impacto na visualização dos problemas gerais do mundo e, por conseguinte, levando a análises e conclusões motivadas por entendimentos parciais. 
Aliás, outro fator que tenho apontado é que vivemos a Era das parcialidadess, em todos os setores, sem que quase ninguém se capacite a empreender comentários com base na totalidade.
Pense, por exemplo, no julgamento dos mensaleisos. 
Primeiro, a opinião pública teria de perceber que o STF não é isento de pressões e que entre os ministros existem interesses pessoais incidindo nas suas posições e talvez nos seus votos. Eles também possuem preferências partidárias e são impulsionados por questões de bastidores do poder.
 
Segundo, nunca antes um grupo político houvera ido a julgamento, embora a sociedade quisesse muito. Mas uma coisa é o desejo. Outra bem diferente é o fato, à luz das normas legais, dos regimentos e das interpretações da lei.
A liberdade individual é algo, em tese, inviolável. Não pode ser julgada por impulsos ou pelo clamor popular, exatamente porque a opinião pública é formada por aqueles que digo acima não terem condições éticas para formá-la.
O julgamento do mensalão dito petista veio antes do mensalão dito tucano. Por quê? Dirão que é porque o Ministério Público aprontou primeiro um do que o outro. É uma meia verdade. Talvez nunca se soubesse do mensalão tucano, em detalhes, se não tivesse havido a descoberta do mensalão petista. 
É aqui que tanto os que amam ou odeiam o PT, o PSDB e políticos em geral precisam ter cuidado, porque não tínhamos simplesmente o hábito de cogitar julgamento e prisão de políticos, no Brasil. Há casos de gente que roubou a vida inteira e continua se reelegendo, roubando e ninguém descobre e se descobre não consegue provar e levar a julgamento e prisão.
Diante disso, o STF falhou, porque julgou um crime posterior (atingindo o núcleo do poder atual), deixando para julgar depois crime igualíssimo (favorecendo ainda que indiretamente o núcleo do poder anterior). A opinião pública erroneamente fica a favor e contra o STF, mas não porque entenda o quadro e sim porque simpatize ou antipatize com uma das partes, influenciada também por agentes políticos que querem vir o circo pegar fogo, confundindo assim o entendimento e prestando um desserviço à sociedade. A mídia teria de regular os fatos, mas ela também é tendenciosa.
O julgamento dos mensaleiros foi didático para todos, mas é possível que ninguém aprenda nada com ele. O STF não pode ser emotivamente político. Os crimes devem ser bem tipificados pela Polícia Federal para que o Ministério Público denucnie com base em processo bem montados, sem deixar brechas para a defesa dos réus. Achar brechas é o trabalho dos advogados e faz parte do amplo direito de defesa que os réus possuem. 
Lembre-se que a liberdade tem a preferência. Faz parte do jogo legal e por isso as peças julgadas não podem apresentar falhas.
Antes de se exasperar com a decisão, recorde que para caracterizar o crime de formação de quadrilha não é simples e que, por exemplo, na compra de votos para a reeleição de FHC, o Congresso inteiro se vendeu e ainda assim não caracterizou formação de quadrilha.
 
Entende a dificuldade? Parece que de repente, por alguma razão de ódio se quis descontar tudo nos mensaleiros do PT. Isso é perigoso, porque a sociedade tem de ser justa e equitativa quanto à liberdade de quem quer que seja.
É aterrador verificar indícios de intolerância e truculência por qualquer paixão.
Enumero aqui alguns requisitos inerentes à liberdade e os respectivos arranhões:
 
01)Todos têm o direito à vida e isso é inviolável. Em alguns lugares do mundo nasce-se aparentemente livre. Por exemplo, em algumas regiões da África e em alguns países islâmicos, talvez até na China e na Coréia comunista.
02)Todos têm o direito de ir e vir. Em alguns países isso também é relativo.
03)Todos têm o direito de se expressar livremente. Podemos não concordar com a opinião alheia, mas esse direito é o que garante sabermos quando as pessoas são ou não parciais, cruéis, sensatas, etc. Em quase todo mundo esse direito causa eternas contendas, porque cada pessoa ou grupo acha que está com a razão nas suas ideias. Como quase todos veem a parte pelo todo, ninguém está certo, mas só conseguimos verificar isso por causa da liberdade de expressão. Deixar falar é melhor forma de sabermos mais sobre a idiotia ou a genialidade do interlocutor.
04)Todos têm o direito de serem como são, em quaisquer das suas características diferenciais. Quem luta contra isso é o que podemos destacar como intolerante, preconceituoso, etc.
05)Todos têm direito a escolher um partido, uma religião ou um time de futebol. Aqui há uma grande confusão. Os partidos querem sempre se achar donos dos países e da verdade. As religiões se acham no direito de invadir a privacidade alheia e as torcidas de futebol se sentem no direito de agredir os adversários nas arquibancadas. Sempre que os direitos de alguém ou de um grupo violam os direitos alheios, o agressor perde o direito de exigir respeito.
 
*No mundo, o grupo mais massacrado quanto a sua liberdade de ser como é naturalmente é o grupo homossexual, porque os conservadores, os religiosos e outros tipos de preconceituosos os perseguem com palavras, gestos, leis, violência e morte.
 
*Nascer branco, negro, amarelo, vermelho, homem, mulher ou mesmo com alguma necessidade especial está explícito e não há como as demais pessoas impedirem que assim seja.
 
*A única classe de humanos que nasce de um jeito natural e precisa fingir que não é do jeito que nasceu é a classe dos homossexuais e talvez esta seja a maior violência contra a liberdade individual e para isso não há embargos infringentes. Essa liberdade é atingida cruelmente todos os dias por políticos, religiosos e conservadores, com raras exceções.
 
*Para a Democracia ou qualquer outro sistema social ser justo e equitativo, a liberdade tem de ser preservada por direito imediato. Por isso, ainda que o STF tenha errado, é melhor fazê-lo em benefício da liberdade, a cometer uma injustiça.
 
Demais, sempre que sua liberdade, seja por preferência política, formação cultural ou credo triscar e arranhar a liberdade de alguém, saiba que lei alguma, Deus algum, justificativa alguma lhe devolverá a paz. Portanto, façamos de nossas palavras e ações um monumento móvel à liberdade geral.