Passagem

 
Brando o semblante:
o velho rosto exausto sobre os ombros do espírito 
em que a intenção das rugas 
franze a pele antiga dos sentimentos, 
Saturados de metais internos
Movidos a dores dos minérios ácidos 
Isso que transcorre o tempo com as horas retintas
De labaredas insalubres 
Em parto permanente de velhices em chamas.
 
Olhos tristes sobre os trastes preciosos
Que a humanidade preza
Na luminescência oculta que cada pessoa oprime
No ninho dos despertares.
Os anciões declinam quando o assunto são amanhãs.
Eles se dependuram no agora como se hoje fosse
Um nunca de passagem lenta.
 
O semblante herda os olhos e aplaina a tristeza nas faces
E capta as imagens fase a fase.
Todo mês é tempo de cerzir a saia do horizonte
Com sua própria linha 
Na tentativa de dobrar
Os joelhos do destino nos altares da paisagem
Estes espaços tempos onde os deuses nos sonham.
Quando dormimos quais os anjos que nos abrangem?
Amanhecemos trocando máscaras
Preenchendo crateras internas
Com massa de modelar mentiras
Enquanto a vida subtrai verdades
Este líquido transparente habitado por sais.
É salobra a realidade que nos pinta
Com o negrume ocioso em que pedras encobrem luas.
 
Quem descansa no espaldar rijo das solidões insones?
Noites madrugam hemisférios que nos atravessam sem luz.
Uma dor grande estatua vincos viscosos
Na fundura dos poços humanos sujos.
Os lençóis enodoados do abandono
Recobrem os corpos deitados
Nos colos ásperos da espera.
A juventude lambe os pés das horas
Calçando os saltos altos da memória.
 
As mechas dos cabelos grisalhando os vãos das janelas
Feito nervos moldando irritadiças eras.
A mente é um fino pente que comove as esfinges
Decifradas pelas mortes dos amigos
Sem que algum traga notícias dos nascedouros
Onde os meninos do futuro se diademam alegres
Pelo o advir que quase ninguém quer assistir.
Espremida entre as vigas dos dias
A pessoa mais amargurada do mundo
Recosta-se flácida e imóvel - lesma cansada de si
Todos querem uma folga das suas idiossincrasias
Aqueles veios sem brilho distendendo o passado
Uma pegada inteira de algo que nunca foi inteiro
Tantos pedaços sem emendas
Dos mistérios dos quais todos são feitos
 
Os saltos altos das vozes internas arranham o saguão
Que antecede os buracos negros da caminhada que não cessa
Muitos querem parar e sentar à margem de tudo
Sem nada que os atinja por sob os seus mil escudos
Poucos vão com pressa e de repente é o fim de algo
- O o cabo de todas as esperanças
E um período inóspito começa
 
É neste ponto
Que todos marcam encontro 
Pensando haver ali 
o coração dos acalantos