Estamos aqui para resolver ou para brigar

A série resolver ou brigar terá 10 artigos, todos publicados aqui no site www.oraculodoagreste.com.br e visa exclusivamente a sugerir um novo tom nas participações políticas por parte das gentes comuns como nós.

 

Comecemos por pensar no ser político, no político e na política para nos localizarmos como participantes dos quadros reais que nos envolvem todos os dias, mesmo sem percebermos ou sem querermos nos envolver. Antes de tudo, toda pessoa é essencialmente um ser político, desde o tipo de roupa que veste ao que escolhe nas gôndolas do supermercado, passando por opiniões e pontos de vista que compartilha, ainda que de forma distraída. 

 

Dito isso, um cidadão responsável socialmente seleciona bem suas preferências, pensa bem sobre suas escolhas e, sobretudo, define-se zelosamente quanto às ideias que defende e que projeta nos ambientes em que é chamado a interagir. Antes de falar, apoiar ou discordar age com delicadeza e isenção, evita grosserias e parcialidade e tendenciosidade. Basta ser grosseiro ou tendencioso para não merecer crédito. Enxergar-se como ser político pressupõe que em presença e com todos os seus dons, talentos e qualidades deve indicar posturas e condutas que favoreçam a totalidade e não apenas alguns grupos sociais.

 

A diferença entre o ser político e o político está no fato evidente de a maioria dos políticos vir a Política como um meio para alcançar fins, no mais das vezes, egoísticos, pessoais ou grupais, tendo a Política, raras exceções, mais como um ramo de negócios, uma profissão fácil, de ganho fácil e ganhos extras e obscuros, além de obtenção de status privilegiado, do que como um ramo que deveria colocá-lo como guardião do bem estar social de maneira invariável. Em linhas gerais, o político é um aproveitador, um ganancioso, um ser com segundas e terceiras intenções, que tem atrás de si, uma gama de interesses escusos que desconsideram ou obscurecem as ideais e urgentes soluções comunitárias que se esperam.

 

Dessa forma, uma das tarefas mais difícil é achar políticos confiáveis. Parece mesmo que não existem. Seres políticos que somos temos como primeira visão clara do mundo nos diferenciar conscientemente dos políticos e sabermos que, como inexistem políticos confiáveis, jamais devemos nos dividir entre contrários e favoráveis a este ou aquele político e sim estarmos todos juntos, favoráveis à plataforma imutável da honestidade e à competente gestão de todos os poderes constituídos. 

 

Ao nos definirmos como defensores da honestidade e da boa gestão generalizadas, temos motivos de ir espontaneamente às ruas ou aos congressos ou às reuniões de cúpulas para pedir o óbvio, que o trato da coisa pública, que pertence a todos, seja considerado de forma irrevogável e intransigente. Isso é Política com “P” maiúsculos. Fora disso, é política e política é sinônimo de politicagem e também o que nos divide quando comentando e trocando as farpas, sem que o alvo básico e estrutural da Política esteja sendo visualizado de modo cristalino e sensato.

 

No Brasil e no mundo de agora, o que há é uma contenda politiqueira, desde o topo da sociedade à base, tendo no meio, pessoas que, sem consciência do seu papel como ser político quanto à totalidade, distraída ou intencionalmente afirmam ou negam as versões dos políticos, digladiando-se e esquecendo-se de que o que importa é a essência da Política e não a excrecência da “política” que os políticos lançam nas mídias, estas que são, nada mais nada menos, do que instrumentos de politicagem, engajadas, segundo o dinheiro que recebem para ressonar a voz dos políticos e não os interesses dos seres políticos que somos nós.

 

Creio que está muito claro o que é um ser político, um político, “Política” e “política”. Os sistemas políticos são viciados em alavancar pessoas para cargos eletivos sem critérios, senão os representados pela grana, pela influência de determinados setores sociais, pelas religiões e pasmem: até pelo crime organizado. Quando vamos às urnas para digitarmos números e apertarmos o botão confirma estamos impulsionados por forças predeterminadas para compor um congresso, uma câmara e ocupações dos três poderes, de acordo com um projeto de administração que não representa de fato a vontade dos seres políticos que somos, mas dos políticos que eles são. Por essa razão, o tempo passa, vidas passam e estamos sempre discutindo sobre o que não é, mas sobre o que eles definem como seja, para que o que precisamos de fato seja, mas o mais lento, deficitário e tardiamente possível.

 

As legislaturas passam; a atual desmancha o que a anterior lançou, as obras são paralisadas, outras são iniciadas, novas verbas são versadas precariamente, o roubo de um governo se soma ao roubo do seguinte, os lobbys setoriais deitam e rolam na distribuição dessas verbas e a roubalheira, independentemente do governante, dos legisladores e do judiciário, perpassa todos os setores, seja nos palácios centrais, nas câmaras federais, estaduais ou municipais. Eles nos iludem apontando as falhas que seus adversários cometeram e enquanto discutimos sobre o roubo e falcatruas dos seus adversários, eles estão cometendo outros crimes semelhantes que serão apontados pela governabilidade futura e assim, a bola de neve das mentiras se avoluma imperceptivelmente.

 

O roubo, a corrupção e o descaso são os eixos da “política” minada pelos “políticos” e dificilmente visualizados pelos seres políticos que somos nós, nós que nos separamos tolamente por ideologias demarcadas exatamente para nos iludir e nos dividir em trincheiras que os apoiam ou os mandam para as valas comuns. Nós nos esquecemos de que eles nos usam para retirar uns e colocar outros para o mesmo fim: engodar-nos, roubar-nos, trair-nos e adiar o que realmente precisamos que aconteça a todos.

 

Correndo por dentro de tudo existe o sistema judiciário, Deve-se lembrar que a instituição é formada por pessoas, portanto, por seres políticos, tanto para o bem quanto para o mal. Os juízes condenam, absolvem, dão andamento ou retardam processos de acordo com suas convicções, sob a interpretação das leis. Muitas decisões são visivelmente políticas e outras não tão visíveis são ininteligíveis. Não adianta nos arvorarmos como entendedores das leis, porque, mesmo que as conhecêssemos a fundo, ainda assim, nossas interpretações seriam relativas e não absolutas. Nada mais inócuo e inútil do que debater sobre decisões judiciais. A única forma de exigirmos coerência é, por exemplo, destacarmos que todos são iguais perante as leis, mas isso está sendo lido também inadequadamente, no Brasil. Ninguém deve aceitar que crimes semelhantes, praticados por sujeitos diferentes, sejam julgados de maneiras diferentes. Se você percebe isso e aceita e defende, por qualquer razão, saiba que sua forma de protesto é tremendamente injusta.

 

No campo jurídico, os brasileiros deveriam se perguntar francamente se a justiça está sendo igual para todos. Se eu disse no começo que não há políticos confiáveis e que eles, em sua maioria, são corruptos, corruptores e levianos, significa que a justiça não deve escolhê-los a dedo, dependendo da opinião pública, é porque estamos aqui falando que ainda não temos essa consciência e visibilidade para protestarmos de forma justa e coerente.

 

O judiciário pode ser político e se é político, é falso. O mundo político não vive de verdades, vive de versões. Então, todas as nossas lutas e manifestações devem mirar a justeza da justiça e não seus alvos. O que estamos presenciando contra determinada figura pública brasileira é fruto da nossa falta de visibilidade de todo o contexto. Em vez de mirarmos a corrupção e os corruptos, ficamos com a ideia do corrupto mais em evidência, o que vem a ser um equívoco difícil de ser clareado. Não quer dizer que o corrupto seja inocente, mas que não está havendo justeza da justiça. Pensemos nisso e pararemos de discutir sobre o que não importa.

 

Outra coisa é falar do foro privilegiado. Isso não deveria existir, mas, se quando os políticos de determinada ala perde o foro e seus processos não são acelerados, em detrimento da aceleração daquele corrupto estatelado na berlinda, significa que, ao reforçarmos essa aceleração e essa condenação, até mesmo a prisão, nós não estamos sendo justos e estamos caindo na armadilha dos políticos e não na ideia de justeza da justiça. Se a justiça é para todos, nenhum juiz pode escolher um bandido para malhá-lo a seu bel prazer. Detestemos ou não este ou aquele político corrupto, o mínimo e o máximo que ele merece é ser investigado e julgado e preso com os mesmos critérios aplicados aos demais.

 

Os políticos podem criar suas versões mentirosas e levianas, os juízes podem dar as suas sentenças parciais e injustas ou minimamente inexplicáveis por estranhas, mas nós, os seres políticos, responsáveis pela justeza, em todos os níveis da sociedade, é que temos de reagir de modo a corrigir exageros e injustiças e não, por sentimentos mesquinhos e estimulados por versões de outros agentes, sabe-se lá por quais motivos, reforçarmos a injustiça ou os dois pesos e duas medidas da justiça.

 

Temos muito a aprender, mas a primeira lição é colocarmos sempre os envolvidos numa questão como se fosse uma pessoa nossa e nos indagarmos se aquilo nos deixaria satisfeitos. A segunda lição é deixarmos o antagonismo, os opostos, porque pessoas realmente de bem querem uma sociedade delicadamente inteira e se somos semelhantes, se temos necessidades bem parecidas, jamais estaremos em fronts diferentes. Pode acreditar: os que estão se confrontando nas redes sociais ou nas ruas estão equivocados, porque se o alvo é o bem estar de todos, não temos de nos confrontar, mas perguntarmos: como posso equilibrar essa situação, como posso participar dos acontecimentos sem que ninguém se magoe, se humilhe ou se machuque?

 

Parece que temos mesmo de aprender um bocado antes de nos sentirmos prontos para protestar sobre qualquer assunto. Uma última pergunta seria: Nós, os seres políticos, estamos aqui para resolver ou para brigar? E agora que ficou evidente o eterno jogo ilusório dos “políticos” e da “política”, incluindo o judiciário e a mídia, a pergunta que não cala é: e aí, o que fazer; como fazer, como participar conscientemente? Vou tentar, no artigo de amanhã, listar algumas observações que nos ajudem a ter um lado.

 

Veja, não precisamos de uma ideologia, como afirmou Cazuza, mas precisamos definir de que lado da humanidade nós estamos, se do lado iludido e excludente por um tipo de osmose política ou se do lado consciente e inclusivo, por um tipo de despertamento quase miraculoso e urgente para que a paz de cada um seja a paz de e para todos.